A sombra andarilha e o poeta bigodudo – Fabio Santiago

Estou novamente em movimento, flano pelo calçadão da rua XV, sou a sombra alongada que atravessa a cidade, tenho olhos secos.

Enxame de passos, corpos espocam, uma mulher me enxerga, não sei quem é, pousa em minha frente, seus olhos parecem sair das órbitas.

Ela parece ter dito o seu nome, Maria.

Com toda intensidade me fala – Paulo Leminski não morreu!

Conheço esta história, é do romance, Fantasma, do meu amigo José Castello.

Esboço palavras que não chegarão aos ouvidos de Maria.

Gostaria de avisar ao autor sobre a sua personagem. Não tenho forças, ele está no Rio de Janeiro, não devo perturbá-lo.

Feito aparição, Maria me desgoverna.

– Paulo Leminski não morreu!

Talvez esteja certa, o livro de JC também. Fantasma!

Preciso escapar deste delírio, preciso caminhar sem palavras.

Avisto nuvens prateadas no céu de Curitiba, lembro da poeta Helena Kolody. O seu sorriso floresce, mudo a direção, vou até a praça Rui Barbosa, quero estar mais perto do apartamento em que morou.

Sou uma sombra, uma penumbra, ninguém percebe que risco o chão.

Não sou um vampiro, o nosso, da cidade, reside próximo a Biblioteca Pública do Paraná, está com 99 anos. Não esqueçamos, vampiros são imortais.

Observo as carótidas das polaquinhas, sou casado com uma, andarilho febril, um vulto flaneur.

A tarde espanta vampiros. Estou vestido em minha sombra.

Paulo Leminski é um cachorro louco, sou também de agosto, um cachorro raivoso!

Dobro a esquina, avisto Ludovica, a anã, detetive particular. Outra personagem do livro, Fantasma, me procura, engole a realidade

 É ela, não há como negar.

 Ludovica me observa com o seu monóculo, está com a peruca vermelha, perco o controle, berro!

 – Paulo Leminski não morreu!

Ninguém enxergou a sombra que me tornei ao passar pelo calçadão, engolindo a claridade, pintando irrealidades, com meus olhos baixos.

Ninguém percebeu a detetive anã e a sombra andarilha, farejando as pistas do poeta bigodudo.

Leminski parece falar em meus pensamentos, “Muda, Curitiba, muda, muda para o mundo, Curitiba”.

Muda para os 80 anos do poeta, “Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, tende piedade de nós”.

Fabio Santiago nasceu em Maceió (AL), em 1973, e está radicado em Curitiba (PR). Publicou os livros A marca do vampiro (compre aqui, 2023), Cantos temporais e Mar de sombras, ambos em 2022, Versos magros (2021) e Intramuros (2020). É formado em Comunicação Social e criador do blog Acre infuso, ativo desde 2004. Redes sociais: @fsantiago006 (Instagram) e Fabio Santiagoc (Facebook)

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