Cart

Agosto mastigado (Fabio Santiago)

Agosto é um mês comprido, alguns dizem do desgosto. Outros, dando um sacode na cidade, gostam de viver neste a gosto.
Cartas fora do baralho, em contraluz, o mês acorda os viventes, ou seriam os sobreviventes?
O tempo não parou, passou antes de eu tomar um chopp.
O rio serpenteia a cidade, em seu leito o pensamento verte, escorrega, foz, fonte, afluentes, nascentes.
Um homem velho parado em uma sala em que pessoas leem revistas, jornais e livros. Com os braços cruzados, parece observar o vazio, lábios remexem sem produzir som, captura o silêncio.
Dessa maneira o mês começa, como um senhor enganando o tempo, recusando a velocidade, burlando os costumes. Parado ele acalma a vida, diminui a pulsação, engana e desnorteia os que não conseguem parar.
Agosto imóvel, na imagem do velho.
Mês do cachorro louco, outros dizem que cadelas entram no cio, cães brigam, disputam a fêmea e territórios. Através das mordidas e arranhaduras, pode acontecer a transmissão do vírus da raiva.
Seria eu um cachorro louco de agosto? Espero que sim. Dispenso as brigas, só na paz e amor.
O homem idoso continua parado. Desta maneira o texto também pausa para respirar, tomar um gole de café, whisky ou poesia.
Agosto também carrega essa pecha, o “mês das guerras históricas”, em 1 de agosto de 1914 iniciou a Primeira Guerra Mundial. Em 2 de agosto de 1934, Adolf Hitler se torna oficialmente o Führer da Alemanha. Alguns anos depois, nos dias 6 e 9 de agosto as cidades Hiroshima e Nagasaki sofreram ataques com bombas atômicas, pelos Norte Americanos.
Há também coisas boas neste mês, além do nascimento deste que vos escreve esta suave e descompassada crônica, agosto tem o dia dos pais, dia nacional dos profissionais da educação, dia do estudante, do canhoto, do folclore… e o dia internacional dos povos indígenas, haja datas importantes. Temos coisas boas para comemorar, 1 de agosto é o dia do poeta de literatura de cordel. Foi em um dia 3 de agosto que se tornou oficial o fim da censura no Brasil.
O mês de agosto foi decretado em honra ao imperador César Augusto, Ave César!
Na astrologia, agosto começa com o sol no signo de leão e termina em virgem.
Em frente ao teclado, como se estivesse numa máquina de escrever, Burroughs 1930, com ouvidos largos para a rua, olhos da janela, o observador, faz o que mais sabe: olhar, xeretar, roubar nuances, capturar fragmentos de vidas alheias, para depois mastigar bem as palavras e fixar por aí em suas crônicas da vida vazia, ou seria cheia?
Ouvidos de prontidão, portas e janelas abertas, lentes grossas, teleobjetivas, angulares e lunetas. Fareja com o coração em chamas, pronto para anotar qualquer descuido, recriar existências.
Assim, agosto começa a envelhecer o cronista.
Ele deixa-se levar.

Fabio Santiago é poeta e prosador. Publicou os livros Intramurus, Versos magros (compre aqui), Mar de sombras e Cantos temporais. Instagram: @fsantiago006

2 thoughts on “Agosto mastigado (Fabio Santiago)

  1. Aaaaaahhh, gosto! Ah, gosto muito! Muitos dias! Muitas datas, mas gostei mais ainda de saber que tem um aniversariante em agosto que também gosto muito! Felicidade e tudo que você também goste pra ti neste mês! Agostei com seu texto! Agostemos com bom gosto vindo de ti! Parabéns, querido!

  2. Querido e admirável cronista,parabéns! que honra e alegria ler você. A fina percepção dos momentos , das peculiaridades e sultilezas das vivências e de sua conctretude , como você as tem! E somos presenteados com essa prosa poética histórica. Que lindeza de registro! Obrigada! Orgulho de você. Um beijo

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