por Daniel Osiecki
Neste hiato de um mês desde o último texto desta coluna, muita coisa aconteceu. Nem é preciso dizer que muitas delas relacionadas ao hospício em Brasília e a seu representante maior, o Johnny Bravo da caserna, o governante medíocre e falastrão que iria acabar com tudo isso daí, talkei?
Como os tempos são extremamente espinhosos e sombrios, decidi em minha última coluna escrever sobre a figura saudosa e doce de meu grande amigo Marcelo De Angelis. E foi ótimo ficar longe, pelo menos em um simples texto, da loucura que se instaurou em nosso triste cenário político. Tento fazer o mesmo aqui.
No último agosto, o ator de Easy Rider (1969), filme clássico dirigido e estrelado por Dennis Hopper, Peter Fonda, faleceu em decorrência de um câncer de pulmão. O filme retrata uma viagem simbólica de dois motociclistas pelos Estados Unidos. Os amigos têm como destino ver o Mardi Gras em Nova Orleans.
A odisseia é repleta de viagens de ácido, de paisagens paradisíacas, comunidades alternativas, bad trips em cemitérios e tem uma trilha sonora sensacional com The Band, Steppenwolf e outras pérolas. O filme mostra de forma bastante cruel e sombria o outro lado da leveza do espírito livre dos anos 60 e a forma como foi construído o sonho americano. Tudo isso chamou muito minha atenção desde muito cedo, principalmente com as músicas The weight e The Pusher, que nos anos 90 era vinheta da extinta rádio Estação Primeira.
O fato é que Easy Rider é super avançado para sua época e, talvez, muito mais avançado para os padrões dos dias atuais, pois estamos vivendo um retrocesso como nunca imaginei que viveríamos. Imagino o capitão e toda sua cria assistindo Peter Fonda e Dennis Hopper com seus baseados e dizendo que é tudo vagabundo, talkei? Tem que reprimir mesmo, talkei? O filme é uma verdadeira obra-prima.
E o que dizer sobre esse episódio grotesco na Bienal do Livro? Por uma determinação do (pastor?) prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, de retirar a obra Os Vingadores – A cruzada das crianças (2010), houve muita polêmica no evento, fora dele e nas redes sociais. Mas o tiro saiu pela culatra, pois 29 minutos depois de abertas as portas da Bienal, todos os exemplares se esgotaram. A obra é voltada ao público adulto e é uma publicação da Marvel.
Essa atitude tem sido recorrente no distópico Brasil de 2019 desde às vésperas do infernal segundo turno das eleições de 2018. Censura nada velada, perseguição a artistas e intelectuais, desmonte da educação e saúde pública, desprezo pela pesquisa e pela ciência e tantas outras atrocidades que parecem saídas de narrativas de ficção científica, como já cansei de relatar aqui nesta coluna.
Portanto, leitores e leitoras, está cada vez mais difícil de seguir em frente, mas sigamos sempre resistindo. Não há fórmula mágica e tampouco fácil, mas temos algo em nosso favor: pensamento crítico, humanidade, diálogo.
P.S. Todo meu repúdio à ação vil e autoritária do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella.
*Daniel Osiecki nasceu em Curitiba, em 1983. É professor de literatura, crítico literário e editor regional da Revista Flaubert. Publicou o livro de contos “Abismo” (2009). “Sob o signo da noite” (contos) é seu segundo livro. Mantém o blog “Távola Redonda” (www.novatavolaredonda.blogspot.com), organizador do coletivo “Vespeiro”