Curitiba estava belíssima com este céu aberto, resplandecia vestida de luz.

Nesta geografia, caminho, atravesso a cidade com passos largos.

Sou uma sombra, assim me defino: sombra andarilha.

Há, nos petits-pavés da Rua XV, uma memória antiga que custa a gastar.

O acordeom e a valsa argentina de minha infância e juventude, rejuntada em meus ouvidos nos anos 80.

Meus pais deixavam o carro no estacionamento e passeávamos até a Rua das Flores.

O acordeom recebia-me no calçadão.

Quem era aquele músico? Alguém saberia me dizer?

Os passeios de sábado são revistos em Polaroids, Kodaks e Fujis.

Estou lembrando das fotografias ou do que vivi? Era uma valsa argentina o que eu ouvia?

Nunca mais a Rua XV foi a mesma, sem o som do acordeom.

Era a minha trilha sonora.

Desta cidade não esquecida, a Curitiba in dreams, é o que busco recordar.

Na pequena confeitaria Paris, situada provavelmente na Galeria Andrade, fartava-me dos mais deliciosos bombons espelhados.

Tudo isso esfarelou: a confeitaria, o charme da Praça Generoso Marques.

Na memória esfarinhada me encosto — a paciência do tempo, diz Saramago.

Não sei andar de bicicleta, isso me qualifica a ser um sujeito sem equilíbrio.

A noite floresceu. Sigo em frente pelo Sesc Paço da Liberdade, avisto o Teatro Guaíra, desço pela Rua

Conselheiro Laurindo, passo pelo Teatro da Caixa e a Capela Santa Maria. Sou a sombra andarilha que a cidade não vê passar.

Finalmente chego à Rua Marechal Deodoro, a porta do Restaurante Nina está aberta, tenho sede, encontro uma mesa vazia e por lá permaneço.

Faz tempo que não ando só.

Peço uma bebida e não dou bandeira — carrego um poema do Manuel no bolso.

Se era valsa eu não sei, mas Pneumotórax me dá as pistas.

A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

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Fabio Santiago nasceu em Maceió (AL), em 1973, e está radicado em Curitiba (PR). Publicou os livros A marca do vampiro (compre aqui, 2023), Cantos temporais e Mar de sombras, ambos em 2022, Versos magros (2021) e Intramuros (2020). É formado em Comunicação Social e criador do blog Acre infuso, ativo desde 2004. Redes sociais: @fsantiago006 (Instagram) e Fabio Santiagoc (Facebook)