Ele era um disco de estúdio – Fabio Santiago

Ele era uma banda de estúdio.

Enquanto caminho pelas ruas da cidade, penso se alguém aqui sabe quem foi seu tataravô.

Se ao menos conhece alguma história vivida por ele.

O retrato talvez não exista. Quem era a sua trisavó?

Por onde andou? Que comida preferia?

Os avós, estes são mais vivos em nós. Talvez facilitem as coisas para as minhas perguntas e inundem a crônica com relembranças.

Daqui a oito ou nove gerações, possivelmente ninguém lembrará de muitos que passaram por esta vida.

Quem sabe os filhos ou netos, para quem os tem, consigam perpetuar passados.

Sejamos francos: somos manchas, sombras que transitam com o rei na barriga, achando que são especiais e eternos.

Ouvi dizer que a minha tataravó costurava tristezas.

Pessoas esquecidas no deserto de nós mesmos.

Ele era um disco de estúdio.

Minha irmã Sandra gostava de escrever novelas, recheadas de personagens. Depois lia para mim, com suas interpretações e enredos. Muitas vezes, encenava com suas bonecas recortadas de revistas.

Foi com ela que Jorge Amado surgiu aos meus olhos e ouvidos.

A morte da morte de Quincas Berro d’Água veio depois e ficou para sempre.

Ele era um disco febril.

Enquanto acelero estrada adentro, numa viagem On the Road Beat, pela velha conhecida BR-116, rumo à São Paulo de todos os destinos, a cada quilômetro, a velocidade embaralha paisagens. Cidades surgem e vão embora, o motor engole as horas, seguimos rumo à grande metrópole.

Ele era um disco empoeirado.

Avistei a tristeza escancarada nos jardins escovados. Quando durmo, tenho sonhos tristes.

Seus nomes desaparecerão comigo, depois que a música terminar.

O mar espuma — quem mais lembrará?

Talvez fosse uma melancolia crônica.

Ele era um disco de estúdio, a girar, na agulha, as suas melhores horas.

Fabio Santiago nasceu em Maceió (AL), em 1973, e está radicado em Curitiba (PR). Publicou os livros A marca do vampiro (compre aqui, 2023), Cantos temporais e Mar de sombras, ambos em 2022, Versos magros (2021) e Intramuros (2020). É formado em Comunicação Social e criador do blog Acre infuso, ativo desde 2004. Redes sociais: @fsantiago006 (Instagram) e Fabio Santiagoc (Facebook)

Respostas de 11

  1. Mas uma viagem no tempo pelas crônicas do meu irmão, Fábio Santiago. Tem o Dom de levar em suas escritas um cenário viciante. Obrigado meu irmão.

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