Ensaio sobre o baque

Li só por curiosidade! Curioso pra saber o que o inquieto Demétrio Panarotto teria pra contar em sua primeira narrativa mais extensa, a novela Navalha. E com quais recursos operou. Curioso se essa narrativa traria ou trairia o bom e experiente escritor que maneja as palavras para robustecer os significados, e não para mostrar que sabe escrever prosa ou poesia complexa e difícil. Aliás, o que dá uma graça singular na literatura do Demétrio é que o leitor (falo por mim) consegue pressentir a sensação de diversão que o próprio autor experimentou ao compor seus versos e sentenças. Isso porque seus assuntos são sérios, mas o tratamento dado transforma o trágico em um absurdo prosaico que serve de espelho para rirmos de nossa cara. A curiosidade também me acometeu quando ouvi dizer que tinha uma trama policialesca. E desconfio de quem não se deixa seduzir pelo chamariz de uma história de mistério. Há um corpo que cai logo na primeira página. Isso acirrou minha curiosidade. Será que a vivaz Ana Beatriz tinha algo a esconder? Mas, de repente, eu também me enredei com a jornalista de futilidades, com o bancário solitário, e com a arrumadora de defuntos – confesso desde já que essa foi minha personagem preferida! Depois fui consumido pelo interesse sobre a precipitação de corpos no chão em curtos intervalos. E logo a curiosidade me exigiu saciedade para saber se tinha mais daquelas piadas de salão – ora emitidas pelo narrador, ora pelas personagens –, que arejam a leitura depois que o clima fica pesado, tenso, como se abrisse uma janela para deixar o ar entrar. Inclusive, fui levado pelo faro para encontrar mais alusões empiricamente verificáveis como esta: “A moça do jornal do meio-dia, por sua vez, aquela com voz e performance de professora do primário…” Segui para matar a pulga atrás da orelha com essa trama que me remeteu à nossa condição de pouco tempo atrás, em que morríamos feito moscas e as ditas autoridades competentes se viam em fogo cruzado entre atentar para a população e servir os representantes do capital. Um estado distópico, em que a apologia à ignorância era a ordem. Isso me faz lembrar o delegado Jarbas, presente na narrativa, cuja suposição para a causa da ‘epidemia’ é digna da solução para um desfecho de Scooby-Doo. E permaneci averiguando a novela, ávido por mais trechos que me identificassem com um dos personagens centrais – “Sabe esses jogos bestas, muitos deles infantis, adolescentes, que são usados pelos grupos como prova de aceitação? Isso nunca o atraiu. Ainda mais quando tratava de altura, nunca gostou dos desafios que o tirassem da sensação de conexão com o plano terreno”. O reconhecimento com os personagens aliviando o suspense da mórbida contradição entre as pessoas que caem enquanto as armações das empreiteiras sobem. E não fiquei menos cismado com as alegorias de que ‘o lar doce lar’ é antes um circuito de neuroses do que um ninho acolhedor. A calçada chega a ser mais segura… Depois de toda minha bisbilhotice, especulo que Navalha é um Ensaio sobre a cegueira reinventado urgentemente para o agora. Uma síntese do mal-estar generalizado nas relações no capitalismo tardio. Um ensaio sobre o baque.

Paulino Júnior – Ficcionista
Inverno de 2023.

Quem é o autor?
Paulino Júnior é natural de Presidente Prudente/SP e reside em Florianópolis desde 2005. Graduado em Letras e mestre em Teoria Literária pela Unesp, abandonou a academia e a docência para viver ‘pela’ literatura. Todo maldito santo dia (Ed. Nave) é seu livro de estreia, contemplado no edital Elisabete Anderle (2013) e premiado pela Academia Catarinense de Letras como ‘Melhor livro de contos publicado em Santa Catarina em 2014’.

Participou de eventos literários como o 5º Festival Nacional do Conto, Flipobre, e Arte da Palavra – Rede Sesc de Leituras. Contista por convicção e cronista por acidente, de 2014 a 2016, manteve a coluna semanal Labuta do Paulino, no jornal Notícias do Dia (Florianópolis); experiência que resultou na coletânea “A felicidade dos gafanhotos e outras crônicas” (Ed. Class, 2018). Permanece escrevendo a fim de corrigir o que já deu por acabado.

Respostas de 37

  1. Thanks for sharing superb informations. Your site is so cool. I am impressed by the details that you’ve on this web site. It reveals how nicely you understand this subject. Bookmarked this web page, will come back for more articles. You, my friend, ROCK! I found just the information I already searched all over the place and just couldn’t come across. What an ideal site.

  2. Great – I should definitely pronounce, impressed with your site. I had no trouble navigating through all the tabs as well as related information ended up being truly simple to do to access. I recently found what I hoped for before you know it at all. Reasonably unusual. Is likely to appreciate it for those who add forums or something, web site theme . a tones way for your client to communicate. Nice task.

  3. I am just writing to let you understand of the fabulous encounter my wife’s child had reading through your webblog. She noticed too many issues, which included how it is like to possess a great helping character to have folks clearly know just exactly chosen grueling subject areas. You really exceeded my expectations. I appreciate you for giving such effective, trustworthy, educational not to mention easy tips about that topic to Emily.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *