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Escutar Lula foi tudo o que precisávamos naqueles tempos de horror. Quanta espera para ouvir suas palavras, pronunciadas diretamente do cárcere para nossos corações, machucados diante de tanta injustiça.
Quanta solidariedade nas saudações da Vigília Lula Livre, cantadas como rezas, para que ele nunca duvidasse da nossa presença: bom dia, boa tarde, boa noite presidente Lula.
Quantos impedimentos judiciais e administrativos para que Lula finalmente pudesse dar sua primeira entrevista, permitida apenas após as eleições de 2018.
O que teria a dizer sobre o cárcere e as mortes de familiares, tendo sido a ele negado o direito de estar presente no velório de seu irmão?
Sabemos a dor, em Lula, pela morte de Arthur, que sofria bullying na escola por ser seu neto e pela retirada de seu laptop, em revista policial em sua casa e nunca devolvido; e por não ter podido oferecer-lhe melhores condições de tratamento.
Sabemos também do grande amor de Lula pelas crianças e por sua mãe, Dona Lindu, sempre lembrada nas entrevistas.
Interessada nestas questões, e seguindo as indicações de Michel Foucault sobre a coragem da verdade, Eliana pode reconhecer nas entrevistas do cárcere a fala franca e verdadeira da parresia. Lula se recusou a negociar sua dignidade em troca de sua liberdade, afirmando preferir ser um preso com dignidade do que um rato livre.
Finalmente, Lula nunca desistiu do diálogo, da negociação e das práticas democráticas. Para não deixar que o sofrimento o tornasse rancoroso, colocou em dia suas leituras e amizades, fez meditação e exercícios físicos, mas, sobretudo, nunca desistiu do Brasil, aventando a possibilidade de voltar à presidência para melhorar a vida do povo, principalmente dos mais pobres e necessitados.
Esther M. M. Arantes.
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LULA PRESO
Terminávamos as quatro caravanas que o Lula fez por todo o Brasil – começando pela mais linda, a do nordeste, e terminando pela do sul, quando houve um atentado à bala no ônibus, quando o Lula voltou para Santo André. Ali foi feito um balanço das caravanas, que o Lula concluiu com um belo discurso.
Tudo isto se dava em um fim de semana. De repente, na quarta-feira seguinte, o Moro decretou a prisão do Lula. Aí vieram novas reuniões no sindicato dos metalúrgicos do ABC, para decidir se o Lula deveria se entregar ou não. Evidentemente a grande maioria não queria que ele se entregasse. Numa primeira tentativa de ele sair do sindicato, o povão impediu que ele saísse.
Até que o Lula tomou a palavra e fez seu discurso, dizendo que ele não iria para a clandestinidade, que essa não era uma alternativa para ele. Que ele se entregaria e provaria sua verdade.
Presenciamos aquela cena dolorosa do Lula ser levado por policiais para a PF de Porto Alegre. Achávamos que ele ficaria poucos dias, mas ele acabou ficando 580 dias. O primeiro livro que ele recebeu era muito grande. Ele pensou se ia ficar tanto tempo, a ponto de ler o livro inteiro. Acabou lendo 40 livros na prisão, nos 580 dias em que ele acabou ficando preso.
Nós nos concentramos na frente da PF, nosso contato com ele era dar um Bom dia, companheiro Lula, cedo. E um Boa noite, companheiro Lula. Nem conseguíamos ouvir o retorno dele. A cela em que ele ficava estava do outro lado do prédio da PF, ele nem podia nos ver.
Pude visitá-lo uma vez. Entrar no prédio da PF de Curitiba, subir até o segundo andar e ser recebido por ele na sua modesta cela. Com uma cama em frente à porta, uma estante atrás, onde estavam os livros que ele ia ganhando, entre os quais o que ele lia diariamente.
Ao chegar, ele imediatamente mostrava seu bom ânimo, sua disposição, nos animava, porque percebia que chegávamos deprimido pela situação. Quando saíamos, o sentimento era pior. Deixá-lo na sua cela, detido, nas mãos dos policiais da PF.
Foi naquela cela que ele concedeu as entrevistas analisadas neste livro.
Quando finalmente o Lula saiu da prisão, voltou para o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo e fez um discurso emocionante, revelando sua disposição de luta. Ele se dava contra plenamente que o impeachment da Dilma havia dado início a um processo de golpe contra a democracia, de judicialização da política, que o tinha levado à prisão e colocado um monstro na Presidência da República. Revelava sua disposição de voltar à presidência do Brasil, através das novas eleições.
Lula voltaria a ser presidente da república, sendo considerado inocente pelo Judiciário – assim como a Dilma. Estas entrevistas são o testemunho vivo de como ele cruzou aqueles momentos tão difíceis, mas que o fariam superá-lo e voltar a ser o Lula presidente do Brasil.
Emir Sader
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Lula : a parresia no cárcere
Eliana Rocha
1 ed. – Curitiba: Kotter editorial, 2024.
232 p.
ISBN 978-65-5361-312-6
R$ 89,70 R$ 44,85
Ao enfocar a resiliência de Lula durante o período de sua prisão, notamos que sua força não emanava somente de sua própria tenacidade, mas também da solidariedade vibrante na “Vigília Lula Livre”. A cada dia, gritos de “bom dia, boa tarde, boa noite presidente Lula” ressoavam, assegurando que ele nunca se sentisse esquecido.
Certamente, as barreiras para Lula comunicar-se com o mundo externo eram enormes. Somente após as eleições de 2018, ele conseguiu dar sua primeira entrevista, onde falou abertamente sobre as adversidades enfrentadas, incluindo a dolorosa proibição de comparecer ao velório de seu irmão.
Sabemos, sem dúvida, da profunda dor sentida por Lula com a perda de seu neto Arthur, vítima de bullying por sua relação familiar. Lula, além disso, enfrentou a violação de sua privacidade com a apreensão não retornada de bens pessoais durante uma revista policial. Mesmo em tais circunstâncias, ele manteve-se firme, rejeitando negociar sua dignidade por liberdade.
Ao praticar a franqueza corajosa nas suas suas entrevistas, Lula estava fazendo uso da “parresia” sem saber. Ele recusava-se a trocar sua integridade por alívio temporário, uma decisão que ressaltava sua integridade inabalável.
Lula nunca abandonou o diálogo e as práticas democráticas. Durante sua prisão, ele encontrou consolo e força na leitura, na meditação e no exercício, mantendo a esperança de melhorar a vida do povo brasileiro, especialmente os mais necessitados. Essa resiliência culminou em seu retorno à vida política com a promessa de continuar sua luta pela justiça e igualdade.
Lula, mesmo aprisionado, nunca deixou de ser um líder para seus seguidores e um símbolo de resistência contra a injustiça. Esta obra destaca não apenas seu sofrimento, mas sua inabalável determinação e amor pelo Brasil, sempre com a esperança de um retorno triunfante.
Eliana Rocha é mineira de nascimento, carioca de criação e petropolitana de coração. É graduada em Literaturas Brasileira e Portuguesa pela UERJ, Mestre em Filosofia da Educação pela FGV/RJ e Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ.
Tem experiência em Programas de Extensão Universitária, consultorias para Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ONU), na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Atua em conselhos e fóruns de direitos humanos e projetos de educação popular.
Vive em Petrópolis, cidade (des)imperial da região serrana do RJ, onde criou seus filhos Chico e João em contato com a natureza. Coorganizadora do grupo feminista Las Dilmas, em defesa dos direitos políticos das mulheres e da democracia. Exerce a função de Secretária Municipal de Formação Política do PT na cidade.