OS DENTES DE FORTUNATO BROCA E OUTROS ESCRITOS
“Quando menino costumava sonhar com Fortunato Broca, o mais temido jagunço pistoleiro na voz corrente dos habitantes da Vila. Aliás, seu nome confundia-se com o das larvas que corroem as entranhas das árvores, especialmente as laranjeiras, em morte fatal e insidiosa. Broca era também o nome popular do BHC, o famigerado pó de broca, que entre outras pragas, eliminava piolhos que infestassem os galinheiros.
Faz parte de sua lenda um colar de orelhas retiradas de suas vítimas e curtidas a sal e sol, que ele trazia sempre consigo. Esses tubérculos humanos constituíam-se em provas irrefutáveis para o coronel, seu patrono, de que as tocaias encomendadas chegaram a bom termo.
Eis que seu senhor e de terras imensas cavalgava fora de seus caminhos costumeiros, por paradas distantes, a serviço da própria ambição, até que sedento, encaminhou-se a uma moradia isolada. Apeando-se rente a uma cerca de bambus, chamou com insistência os da casa em meio a latidos e à balbúrdia de galinhas histéricas; mais que lentamente abriu-se uma fresta de janela e uma mulher ainda jovem, senhora de muita graça, apareceu, trazendo um susto no olhar. O cavaleiro solitário sentiu-se instigado por seu insaciável desejo de posse, surgindo daí uma espécie de namoro. De um lado pesava um pouco de vaidade por ser ela objeto da atenção de senhor tão poderoso, mas o principal ingrediente era o medo; já do outro pesavam os desmandos cometidos por sua força e à impunidade.
(…) Algumas vezes a meninada ensaiava pescarias mais excitantes que as realizadas no ribeiro que cortava o sítio de suas férias escolares. Após pernoite em tosco rancho, excitados pelo calor, o azul do céu, e o verde das restingas à beira rio, buscavam minhocas no solo arenoso, pois o estoque que trouxeram de casa havia-se esgotado.
Impacientemente cavoucavam com mais e mais força, sendo que muitas vezes a advertência de um dos mais velhos que os acompanhavam fazia-se ouvir:
– Cuidado com os dentes de Fortunato Broca!”…
ISBN: 9786589624196
Formato: 15X21 cm
Páginas: 240
R$ 74,70 R$ 52,29
SOBRE O AUTOR
Adilson nasceu em Elói Mendes (MG) em janeiro de 1956. De uma família de produtores rurais, fez seus estudos na cidade natal e em janeiro de 1973, integrando um programa de intercâmbio de estudantes, concluiu o segundo grau em Renovo – Pensilvânia – EUA, retornando ao Brasil em dezembro do mesmo ano.
Em 1975 iniciou o curso de medicina na UFMG (BH). Participante na tentativa da realização do III Encontro Nacional dos Estudantes – UNE marcado para a capital mineira em junho de 1977, foi preso com centenas de outros universitários pela Polícia Militar de Minas Gerais, que cumpria ordens do Governo Militar de então.
De volta à liberdade, imediatamente, e em poucos dias, desenvolveu um surto psicótico, e com algum tempo, mesmo após várias tentativas, não mais conseguiu acompanhar o curso. Simplesmente abandonou a Universidade.
Em 1983, prestou concurso público para a Previdência Social, e admitido na carreira administrativa, prestou atendimento direto ao público até aposentar-se em fevereiro 2020.
Vive em Varginha (MG), onde convive em uma união homoafetiva que teve início há vários anos.