Origem e significado
A expressão popular “no dia de São Nunca (à tarde)” é usada no português para indicar que algo nunca acontecerá ou só ocorrerá em tempo indefinido e inexistente. Trata-se de um santo fictício – literalmente, “São Nunca” – cuja celebração não consta de qualquer calendário litúrgico. A origem exata do dito popular é obscura, mas remonta à tradição cristã de associar cada dia do ano a um santo, prática difundida na Idade Média e no folclore das comunidades cristãs. Como não se sabe quando seria o dia de um santo tão improvável quanto “São Nunca”, a ideia tornou-se jocosa: a expressão joga com a noção de um santo inventado e de um dia impossível. Antigos dicionários de expressões registram “dia de São Nunca” como equivalente de nunca, jamais. Um renomado dicionário de português define o termo como “expressão humorística com a qual se designa um dia que nunca chegará”. A origem é anedótica e pode estar ligada a versões populares do santoral, onde nomes como São Glinglin (França) ou St. Nimmerlein (Alemanha) servem ao mesmo propósito absurdo. Há até relatos literários antigos de histórias em que devedores prometem pagar “no dia de São Nunca” para fugir da obrigação – situação que só se resolve quando o credor argumenta maliciosamente que “no Dia de Todos os Santos há de estar São Nunca” e recebe o pagamento de surpresa.

Contexto cultural e social
No Brasil e em Portugal, a expressão é bem conhecida em conversas informais, crônicas e humor. Usa-se para negar categoricamente algo improvável. Na fala cotidiana, pode aparecer isolada ou como complemento enfático. O acréscimo de “à tarde” – forma popular usada tanto no Brasil quanto em Portugal – reforça o absurdo (pois estabelece um horário preciso para um dia inexistente). Esse uso festeja ironicamente a inevitabilidade da negativa. Em Portugal, o “dia de São Nunca” sempre figurou no léxico coloquial; no Brasil, consolidou-se especialmente no século XX, aparecendo até em slogans políticos ou charges. Em geral, é dito de modo zombeteiro ou resignado: sinaliza descrença ou adiamento indefinido de um compromisso. Tanto em contextos familiares quanto jornalísticos e publicitários, raramente falta algum “São Nunca” no discurso diário quando se quer dramatizar o impossível.
Apropriações literárias e artísticas
A expressão inspirou títulos e versos no universo literário e musical. No Brasil, Roberto Drummond usou “Dia de São Nunca à Tarde” como título de uma novela bem-humorada. Manoel Carlos Karam reuniu crônicas sob o título “Comendo bolacha Maria no dia de São Nunca”, brincando com o fato de que certos projetos só se realizam “no tal dia”. Mais recentemente, o compositor e escritor Léo Nogueira lançou o romance Dia de São Nunca, publicado pela Kotter Editorial, cuja narrativa gira em torno da ilha fictícia de São Nicanor – apelidada São Nunca – e de seus habitantes esperançosos.
No campo musical, a expressão aparece em letras popularizadas: Wilson Simonal fez canção chamada “Até o Dia de ‘São Nunca’”, e Zeca Baleiro gravou “No Dia de São Nunca”. No forró, Samyra Show lançou a faixa “Dia de São Nunca”, cujo refrão repete que certo encontro só ocorrerá no dia impossível. Esses exemplos mostram que a imagem do santo inventado figura como recurso de humor e crítica em obras artísticas – reforçando a ideia de imponderabilidade ou de promessa vã. Até programas de TV e posts em redes sociais exploram a expressão em piadas, charges ou memes, evidenciando sua perenidade cultural.
Análise linguística e pragmática
Linguisticamente, “dia de São Nunca” é uma locução adverbial de tempo, mas com valor modal: equivale a advérbios como nunca, jamais. É uma frase feita idiomática que foge da composição literal. Na sintaxe, funciona normalmente no final de frases negativas ou de contestação. Pragmaticamente, a expressão carrega forte carga irônica e hiperbólica. Ao invocá-la, o falante não apenas nega algo, mas faz piada com a própria ideia de tentar marcar data. A presença do advérbio “nunca”, convertido em santo, cria humor por meio da “substantivação jocosa” – o pensamento de um santo imaginário simboliza que nem o santo nem seu dia existem. O uso de “à tarde” acrescenta um detalhe absurdo, como se o impossível tivesse uma hora. Isso intensifica o caráter disparatado.
Essa locução costuma aparecer em contextos coloquiais, escárnio político e literatura humorística. Serve tanto para expressar descrença quanto para criticar adiamentos. Do ponto de vista semântico, trata-se de um adynaton – figura de linguagem que envolve promessa irreal. Nenhuma das palavras isoladas confere sentido implícito, mas o conjunto funciona como hipérbole temporal. Em síntese, o papel no discurso é enfatizar a impossibilidade ou postergação absurda de um evento.
Equivalentes em outras línguas
Quase todas as culturas têm idiomatismos semelhantes para o impossível. No inglês, por exemplo, dizem “when pigs fly” ou “never in a month of Sundays”. Em francês existe “à la Saint-Glinglin” e “aux calendes grecques”. Os espanhóis dizem “cuando las ranas críen pelo” ou “cuando San Juan agache el dedo”. Em italiano, equivalente é “a San Mai” ou “giorno del mai”, e “quando gli asini voleranno”. Em alemão temos “Am Sankt-Nimmerleins-Tag” e variantes, assim como em neerlandês “Sint-Juttemis” e no espanhol da América “el día de San Nunca Jamás”. Também se usa em vários países datas imaginárias: o francês fala em “semaine des quatre jeudis” e o russo “kogda rak na gore svistnet”. Essas expressões, em suma, atuam como equivalentes de “sempre/nunca” em contextos culturais distintos, criando imagens fantasiosas de impossibilidade – o que reforça que “dia de São Nunca” é parte de uma tradição universal de hipérboles temporais.
Uso e relevância atuais
Hoje a expressão ainda é presente no português contemporâneo, embora talvez menos frequente em registros formais. Nas conversas cotidianas brasileiras e portuguesas, principalmente por falantes mais velhos, continua servindo como resposta jocosa a promessas infundadas. A internet e as redes sociais a revigoraram: hashtags como #diadosaonunca circulam no Twitter e no Instagram em memes sobre o dia que não existe. Colunistas e blogueiros empregam-na regularmente para ironizar atrasos burocráticos ou desencontros amorosos. Por outro lado, jovens tendem a preferir outras figuras de linguagem contemporâneas, mas reconhecem a expressão. Em termos regionais, ela é entendida em todas as comunidades lusófonas, sem grande variação de sentido, embora possa receber formas criativas. Em resumo, o “dia de São Nunca” não desapareceu: segue vivo como recurso de humor e crítica linguística. Seu uso mostra-se ainda perene no repertório informal, especialmente em contextos irônicos ou resignados. Mesmo sendo senso comum, cultiva-se curiosidade sobre “para quando” marcar esse dia inexistente – o que, naturalmente, só renova a piada de que nunca acontecerá, concretizando o espírito da expressão.
Referências Bibliográficas:
- Neves, Orlando. Dicionário de Expressões Correntes. Lisboa: Notícias Editorial, 2000.
- Simões, Guilherme A. Dicionário de Expressões Populares. São Paulo: D. Quixote, 1993.
- Michaelis. Dicionário da Língua Portuguesa, 7ª ed., 2009.
- Drummond, Roberto. Dia de São Nunca à Tarde. Belo Horizonte: Geração Editorial, 2004.
- Karam, Manoel Carlos. Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca. Florianópolis: Arte & Letra, 2013.
- Nogueira, Léo. Dia de São Nunca. Curitiba: Kotter Editorial, 2021.
- Miola, Cristina. Folclore e Linguagem Popular. Lisboa: Colibri, 2015.
- Estudos acadêmicos diversos sobre linguística e folclore idiomático lusófono.
- Corpus jornalístico e blogs de língua portuguesa que abordam expressões idiomáticas.
- Artigos comparativos sobre figuras idiomáticas em inglês, francês, alemão, russo, espanhol e italiano.