O DIA EM QUE NÃO TE ENCONTREI – Coluna Acre Infuso – Fábio Santiago

No comecinho de 2020, lembro muito bem, era tarde clara e ensolarada, o morcego ainda mostrava a sua face. 

Tiramos o dia para assistir a uma apresentação infantil, minha esposa segurava a pequena afilhada, ainda de colo, eu estava incumbido de cuidar das mochilas e bolsas. 

Chegamos ao Mercado Municipal, tudo corria como deveria correr, contação de histórias, bruxinhas, vampiros e canções. Não, vampiros não! 

Logo mais, caminhadas por corredores, gôndolas abarrotadas de cores, odores, texturas e sabores.  

Chegada a hora da papinha, encontramos uma mesa e por lá ficamos. Quase ao nosso lado, avistei um senhor misterioso, usava boné e nas vistas, óculos de grau. Entre papéis esparramados escrevia sem parar. 

Passei então a observá-lo, havia algo naquele misterioso homem. Perscrutei cada gesto, segui os seus movimentos mesmo quando banais. De tanto observá-lo, acabei descoberto, de observador tornei-me o observado. Fingi não perceber, ele voltou a escrever, eu voltei com o meu olhar.  

Com a Lupa vilipendiava um livreto religioso. Vampiros não bebem água benta! 

Quando dei por mim, novamente o embaraço, ele me olhava com a lupa.  

Atônito e investigativo sussurrei - Acho que este senhor é o Dalton Trevisan! 

– Tem certeza? 

Peguei o celular e comecei a procurar por imagens do escritor na internet. Mostrei as fotos para minha esposa – Pode até ser, fale com ele! 

– Não posso! Não consigo. 

Olhamos mais uma vez para o senhor, perdido em seus papéis e anotações. 

Percebendo o nosso movimento, tentava disfarçar, estava sendo acossado, eram claras as nossas intenções. 

Com a afilhada em seu colo, levantou-se – Vamos embora! 

– Como Assim? 

– Se não vai falar com ele, vamos sair daqui! 

Uma coragem absurdamente insana baixou em mim e tomei a iniciativa. – Boa tarde, desculpe incomodar, estava lhe observando, o senhor é o Dalton Trevisan? 

Como pude ser tão estúpido!! Foi o que consegui fazer, ou melhor, falar. 

Então uma surpresa, o nosso Dalton levantou-se da mesa, esboçou um gentil sorriso – Que honra, quem me dera, sou apenas um engenheiro agrônomo preparando a palestra para a semana que vem. Que linda a sua menina. 

Sorrimos. Não quis dizer que era a nossa afilhada, pensei que poderia ser indelicado, era de bom tom, manter este enredo para o vampiro. 

Apertamos as mãos e nos despedimos. Ainda fui capaz de falar isso, vejam só que catástrofe - Caso o senhor seja o Dalton, os seus livros são maravilhosos. 

Saímos em busca do carro. Enquanto ajustávamos a pequena na cadeirinha e guardávamos as mochilas, bolsa e sacolas, avistamos o falso Dalton deixando o mercado. 

Ao chegar em casa, sob o feitiço do vampiro, liguei para o amigo JC, contei sobre a nossa experiência com o falso Dalton. Após ouvir, lançou-me ao tempo – Mesmo que fosse o Dalton, jamais iria revelar a real identidade. 

Certa vez, um velho amigo chamado OT, que partiu em 2021, havia prometido para mim um bate papo informal com o Dalton Trevisan. Sendo meu amigo um passado e o vampiro o presente, isso não irá acontecer. 

Uma semana após o nosso encontro, o falso Dalton apareceu mais uma vez na minha frente – O vampiro marca a sua vítima. 

Escondi o meu rosto para que não me avistasse, observei novamente os seus movimentos. Quando sentou para ler, ajustei o celular e como um detetive de filme Noir registrei a sua imagem. Três fotos em diferentes planos. 

Rapidamente, enviei as imagens para a minha esposa e para o JC. Em menos de um minuto, uma mensagem chega em meu celular – Não parece ser ele, sentencia José C. 

– Nossa, que coincidência, escreveu ela. 

Percebo que o falso Dalton se aproxima, carrega um jornal em suas mãos – Sabe onde consigo tirar um xerox? 

Fixei o meu olhar no vampiro – Lembra de mim? Sou o rapaz que perguntou se o senhor era o Dalton Trevisan. 

 – Claro!  

Disse ele com um largo sorriso. 

Após breve conversa, entregou-me o seu cartão. 

Leio o nome. Ele parte. Leio novamente. O nome. Falso Dalton… 

O vampiro sobrevoa a biblioteca. 

Sussurro baixinho para o morcego acima da minha cabeça – O dia em que eu não te encontrei, vampiro! 

Respostas de 2

  1. Fábio, gostei muito do seu texto. Adoro suspense. O teu conto tem um clima que nos prende: essa mistura de suspense, apresentação infantil , o bebê presente, do qual você nada descreve, deixando-nos a tarefa de imaginá-la, esse vampiro rondando e ausente, Gostei muito mesmo. Parabéns! Será um prazer ler o teu livro. Obrigada por compartilhar. Beijo.

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