Vladimir dança para as máquinas: um quase romance que é pura implosão literária

Um romance fora da curva que desafia toda expectativa de leitura linear

Vladimir dança para as máquinas não é apenas um título provocativo, é um aviso de que o que vem pela frente escapa de qualquer caixinha de gênero ou trama tradicional. Publicado pela Kotter Editorial, o livro de Tiago Basílio Donoso é uma bomba de linguagem, imagens, ironia e poesia delirante — como se Artaud tivesse redigido Grande Sertão num surto tecnopolítico.

Quase romance ou laboratório ficcional?

Com mais de 100 capítulos curtos e títulos que mais parecem vinhetas de um noticiário distópico ou nomes de faixas de um álbum de art rock, o livro se estrutura como um mosaico de cenas, fragmentos e personagens caricaturais (ou monstruosamente reais), como Jair Johnson, Gláucio Sparrow, Esteves-Esteves, Peninha Trudeau e o próprio Vladimir, esse anti-herói cercado de ameaças e epifanias sujas.

Mas não se engane, há menos narrativa aqui do que combustão verbal. A lógica é a do excesso — tudo é clímax, tudo é metáfora esticada até os ossos. A bomba, que Vladimir vê entre os escombros da antiga companhia de águas, é o símbolo central de um mundo onde tudo se espiritualiza em ruína. A linguagem é barroca, histérica, áspera e maravilhosa.

Personagens delirantes e paisagens febris

A ação se desenrola na “Várzea dos Automóveis”, espécie de Brasil transfigurado por um espelho trincado e fundido com um teclado de máquina de escrever quebrada. As cenas são absurdas, oníricas, por vezes repugnantes, sempre eletrizantes. Vladimir, o protagonista que talvez nem o seja, habita um mundo onde o juízo final parece estar sempre por vir — ou já ter acontecido.

Personagens como Jair Johnson, uma mistura de político populista com messias envenenado, ou o juiz Weisselmeister, que desce dos céus num helicóptero enquanto escreve sobre “a poça estancada da sorte”, são mais que figuras: são arquétipos disformes do Brasil da catástrofe crônica.

O que esperar do livro?

Não espere “o que vai acontecer no fim”. Espere frases como facadas, ironias que cheiram à gasolina e cenas que mais se parecem com instalação de arte contemporânea. Leia como quem visita uma catedral em chamas.

Vladimir dança para as máquinas é uma espécie de romance do fim dos romances, escrito com fúria visionária e sem medo do grotesco. Um livro que, de tão exagerado, se torna preciso na crítica: à política, à mídia, à linguagem esvaziada, à esperança deformada.

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