Não temos um Grande Nome: obrigado.

Por Guilherme Gontijo Flores

 

A repetição da procura por um Grande Nome da literatura nacional é já um clichê cansativo, tanto que nem vale a pena apontar nomes específicos da conversa: ela vai de professores a alunos, de leitores a escritores, que insistem, quando não pensam com mais calma, em reclamar da ausência do Grande Nome (assim maiuscular) que arregimentaria todas as linhas de força da poesia ou da prosa do presente numa síntese superior. Marcos Siscar chegou a tocar nesse ponto em Poesia e crise, quando demonstrou com clareza como o discurso da poesia moderna pelo menos desde Baudelaire se organizava em torno da própria ideia de crise; nesse sentido, a crise estaria mais para o gatilho que ativa a poesia presente do que como o possível entrave que a estilhaça. Mas a procura por um Grande Nome não é propriamente um efeito de crise, embora tente dar essa aparência. A procura do Grande Nome é, na verdade, um ranço de paideuma fechado misturado com um desejo de narrar o presente enquanto história linear teleológica.

Por isso explico. Nossa historiografia literária quase sempre se deteve, talvez excessivamente, em nomes que organizariam os períodos, dando seu perfeito exemplar. Recentemente li um texto que marcava os grandes nomes da poesia brasileira do século XX, fazendo algo como Bandeira, Drummond, Cabral, assim nessa sequência de falecimentos, para determinar que, depois de Cabral, fora os concretos, não teríamos mais um Grande Nome, encerrando assim o grande ciclo do século XX. Bom, a conversa é mais complicada, e todos sabemos. Mais interessante do que alinhar nomes na sequência, pretendendo sempre eleger o maior poeta vivo, seria mostrar as complexas linhas de força que marcam o presente, para então repensar o passado. Assim, em vez de inverter dicotomias (penso na eterna divisão entre Mário e Oswald, Eliot e Pound, que vira e mexe pende para um lado da balança, pior do que a cisão entre Toddy e Nescau), escolhendo um lado do jogo, podemos levantar nomes inúmeros, ampliar indefinidamente a questão e fazer disso um projeto de diferenciação. Ao romantismo já tivemos de acrescentar o ponto fora de curva que era Sousândrade; o Sapateiro Silva acaba com o modelo histórico que lia nosso arcadismo em chave unificada geográfica e estética; de modo similar, nomes como Raul Bopp, Hilda Hilst, Orides Fontela, Roberto Piva (para ficarmos  em apenas quatro) põem em xeque qualquer visão linear de história literária/poética brasileira. Eles instabilizam, porque mostram que o movimento é cheio de contradições inerentes, revelam que a unificação historiográfica vem posteriormente e que ela pode/deve ser questionada. Esses nomes recusam a própria ideia do Grande Nome, porque escreveram, querendo ou não, uma minoridade; e nela podemos encontrar uma proposição ética, poética e política.

Assim, em vez da procura melancólica pelo Grande Nome que organizaria o presente, dando um sentido unívoco e apontando para um futuro garantido dos modelos literários, podemos encarar a deliberada dispersão do presente como a bênção, a salvação contra o Grande Nome, porque instaura inúmeros pequenos nomes. E não se trata de pequeno nome porque pequeno em qualidade ou possível impacto: aí está o equívoco narrativo que gera a procura do Grande Nome; pelo contrário, a dissolução é o efeito radical contemporâneo derivado de uma série de questões que não consigo abordar aqui: espaço fluido da internet, fim da teleologia das vanguardas, maior circulação geográfica com descentramento, etc.; que agora tornam visíveis uma série de questões que sempre estiveram presentes nos sistemas literários. Os pequenos nomes que pululam no presente convivem entre si com suas contradições e embates, não buscam mais rasurar/reescrever o passado na construção do futuro, como fizeram as vanguardas. Talvez essa recusa de assumir o ponto central seja o melhor ponto para tentar renarrar a história: espelhar os pequenos nomes, seus ruídos e dissonâncias, pelo passado, deixar a leitura do passado soar viva e pulsante nas suas contradições internas. Assim é a ideia do passado como um constante presente aberto que se apresentaria, e não da demanda do presente como um já passado, fechado em sua potência.

Respostas de 2

  1. Talvez mais do que de um grande nome, sentimos hoje a falta de uma dimensão já quase perdida na produção poética autóctone: a voz pública da poesia. Hoje raros são os poetas brasileiros que transitam bem por essa dimensão da poesia. Com a perda de força das grandes narrativas e o advento de causas minoritárias, tb a poesia vai minguando e se rarefazendo em solilóquios ensimesmados, partilhados por grupelhos de iniciados. No mais, a grandeza só pode ser reconhecida em perspectiva, algo que ao presente é quase sempre vedado.

  2. O grande nome se foi com a grande história, estabelecendo uma cena na qual o nome pequeno, instiga toda a mística do ato poético. Pois a própria poesia é cúmplice, se nos deparamos com nomes grandes que não publicaram (Torquato), ou mesmo quem é o poeta (o leitor?), dessa enigmática tensão. Acredito que a luz venha dessa própria condição, de nome pequeno um lampejo e, para lembrar o livro de Georges Didi-huberman A sobrevivência dos vaga-lumes, a pequena faísca que irradia a perseverança e resistência contra as grandes luzes (grandes nomes) desse mundo louco. Um nome pequeno não deixa de ser um vaga-lume passeando pelas estrelas.

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