Sair de si para voltar a si: o outro na poesia de Lubi Prates

por Marcel Fernandes

 

Cada existência contém definitivamente outras existências. Existir supera o esforço de ser e o outro importa e ameaça o eu, portanto, retornar para si, implica em avançar na direção do outro, como sujeito necessário para construção umbilical.

 

Há assim uma reflexão primordial, de fazer-se esquecer de si, para exprimir.  E a poesia surge como linha dessa tessitura, por ser o lugar onde deixamos de existir, onde o pensamento evapora, por não permanecer nas palavras e as palavras por não permanecerem no pensamento.

 

Se a poesia possui essa faceta, encontro na poeta Lubi Prates, uma voz que induz no outro seu pensamento, ao falar com propriedade de seu corpo, lugar e raízes, não como uma prisão de si, mas como instrumento que nos transporta à perspectiva do outro, sustentando na linguagem sua habilidade de deixar-se fragmentar e refazer por todos.

 

Observemos o seguinte trecho, do poema “não temos fronteiras”:

 

você diz

                        não temos fronteiras

para dizer que somos um, que

a pele do outro ainda é si, nós

o mesmo chão.

 

Somos o mesmo chão, a mesma pele, o mesmo ser humano. Essa questão de “sermos um” é testemunho de que a linguagem não deve ser vista como separada do mundo, mesmo que o sentido linguístico nos oriente para um além da linguagem. fácil perceber então que \ atravessamos percorremos \ os mesmos oceanos os mesmos continentes \ hasta aqui \ : somos filhos da África \ e tudo que contamos através dos nossos corpos \ fala sobre nós, mas  no profundo da memória \ guarda nossos ancestrais.

 

Como vemos, Lubi Prates constrói sua identidade por um movimento de vaivém, suscitando rearranjos de si no outro e vice-versa. Assim, tudo que a poeta faz tem o mesmo sentido do que fazemos, porque sua voz\ação possui os mesmos objetivos que a nossa. Sua poesia tateia em torno de uma intenção de preencher lacunas e dissolver fronteiras, usando o outro para encontrar sua própria verdade e a linguagem como o veículo para impelir a razão de sua existência: lavar o sangue do meu rosto \ me fazer estrangeira no \ lugar onde nasci \ me tornar moradora em \ todos os lugares por onde \ passei.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

MERLEAU-PONTY, Maurice. A prosa do mundo. Tradução: Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

PRATES, Lubi. de lá / daqui. São Paulo: nosotros, editorial, 2018.

PRATES, Lubi. Triz. São Paulo: Editora Patuá, 2016.

SILVA, Franklin Leopoldo e. O outro. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

 

*Marcel Fernandes, nasceu em Antonina-PR, na primavera de 86. Além de poeta, é artista visual e apaixonado pelo universo e seus mistérios. Seus poemas já aterrissaram em diversas revistas literárias, como a Escamandro, Garupa, Parênteses, a americana Gramma Poetry e as portuguesas Enfermaria 6 e Piolho. O Cochilo do Céu (Kotter Editorial, 2018) é o seu primeiro livro. 

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