Coluna – Terra Incógnita│O nosso pesadelo distópico

por Daniel Osiecki

O ano de 2018 foi atípico e tem gente torcendo para que 2019 acabe logo, mesmo tendo começado há pouco. Este colunista não pensa diferente, pois muito tempo antes das eleições de outubro passado já vivíamos em um pesadelo distópico, como disse Roger Waters, ex Pink Floyd, no show que fez em Curitiba um dia antes do fatídico 28 de outubro de 2018. Waters projetou no telão a frase “Please help us: we’re trapped in a dystopian nightmare” (Por favor nos ajude: estamos presos em um pesadelo distópico).

O pesadelo distópico não é uma metáfora apenas para a triste situação política brasileira que vem se arrastando desde maio de 2016, mas também serve para situar as diversas amizades desfeitas, discussões pelas redes sociais e conflitos familiares nunca antes imaginados de forma tão contundente, como se fôssemos personagens de algum enredo kafkiano.

Sem motivos aparentes, os embates geracionais tão comuns e relevantes nos anos 60 e 70, perderam relevância nos espaços e pautas familiares para uma acelerada propagação de achismos e das famosas fake news pelas correntes de whats app. Fatos deixaram de ser relevantes assim como o papel do artista, do intelectual, da ciência, do discurso acadêmico e ideológico.

O desmonte do estado de direito como um todo já vinha sendo pensado desde antes do golp… (cof cof cof), digo, do Impeachment da Presidenta Dilma e agora está sendo colocado em prática com todas as forças e legalizado diante de uma nação perplexa. Sim, nem todos os brasileiros fizeram gestos com armas imaginárias com as mãos, talquei? Nem todos fizeram filas nas livrarias para comprar os livros do guru do capitão, um certo Olavo alguma coisa.

A estupidez, caro leitor, está legalizada e o sujeito pensante está fora da curva. O impávido colosso nunca passou tanta vergonha no exterior, vide a participação do Presidente eleito em Davos com seu discurso sofrível e apócrifo e as trapalhadas cada vez mais parecidas com um espetáculo barato de vaudeville de todo clã Bolsonaro, principalmente do primogênito, Flávio. O ghost writer do capitão provavelmente leu os livros de um certo idoso youtuber que brinca de General MacArthur, encontrando comunistas até no Projac.

Antes de encerrar gostaria de relatar ao leitor uma experiência pessoal. Tive diversos embates com amigos e familiares, mas o pior foi com um parente em especial que, para manter sua dignidade (pelo menos um arremedo de dignidade que talvez ainda reste), o manterei no anonimato. Discutimos ferozmente sobre questões de gênero e achei honesto de minha parte indicar uma leitura complementar para o/a parente intransigente, levando em consideração que ele/ela só reproduziu falácias e opiniões de senso comum. A autora que indiquei foi Judith Butler, mais precisamente suas obras Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade e A vida psíquica do poder: Teorias da sujeição. O/A parente falou que o papel aceita tudo e que eu deveria parar de ler coisas ultrapassadas. Me bloqueou e depois me excluiu das redes sociais e de seus contatos. Esse ocorrido foi muito antes das eleições e não nos falamos desde então.

Portanto, a estupidez e a intolerância legalizadas e difundidas pelo atual governo nos atingem diretamente muito mais do que imaginávamos. A santíssima trindade da distopia inglesa, Huxley,Orwell e Burgess, ficaria horrorizada com o cenário político brasileiro atual.

*Daniel Osiecki nasceu em Curitiba, em 1983. É professor de literatura, crítico literário e editor regional da Revista Flaubert. Publicou o livro de contos “Abismo” (2009). “Sob o signo da noite” (contos) é seu segundo livro. Mantém o blog “Távola Redonda” (www.novatavolaredonda.blogspot.com), organizador do coletivo “Vespeiro”.

Uma resposta

  1. Um dos textos mais sensatos que li nos últimos meses. Parabéns!!!
    Ser pensante nesse Brasil da “nova era” tá sendo sofrido. Mas neste cenário caótico prefiro a subversão.
    #pensologoexisto!

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