Segundo Freud, a religião é fundada sobre um parricídio: da morte do macho alfa primordial, e da culpa originária dessa morte, é que nasce a religião. Na literatura não é muito diferente. Segundo Harold Bloom, em A angústia da influência, uma nova geração literária precisa matar simbolicamente a velha, sobretudo no nome de seus principais representantes. Na história literária brasileira, Coelho Neto e Olavo Bilac foram os alvos dos modernistas de 22, os modernistas de 22 foram os alvos da Geração de 45 que, por sua vez, foi o alvo dos concretistas. É como uma quadrilha de necrológios.
Aqui, na terra das araucárias, não foi muito diferente. Em 1946, quando surge um jovem talentoso e querendo botar banca, quem ele elege para ser sacrificado no altar da renovação literária? Emiliano Perneta, o outrora príncipe dos poetas paranaenses. O jovem em questão é Dalton Trevisan, que mais tarde, já contista consagrado, será objeto da iconoclastia de um poeta que então surgia: Paulo Leminski. Todavia, nessa sucessão de gerações, o antigo príncipe ficou meio de banda, com seus livros empoeirados nas bibliotecas e sumidos das livrarias.
Como ressurreições também ocorrem nas religiões e nas literaturas, já passamos da hora de exumar a obra do autor de Ilusão e, sem peias nem preconceito, ver o que havia de autopromoção juvenil na atitude de Dalton. O poeta, prosador e pesquisador Marco Aurélio de Souza, com esta re-escritura do livro mais icônico de Perneta, vem dar uma importante contribuição a essa tarefa – e isso no ano do centenário de morte do príncipe. Oscilando com exímia habilidade entre a paródia e a paráfrase, desfiam-se os poemas deste livro, lembrando-nos que a literatura não se faz nas nuvens, como queriam os nefelibatas do tempo de Emiliano, mas sim num diálogo denso e tenso com as gerações anteriores. Afinal, só nos ombros dos gigantes enxergamos melhor. É o que Marco Aurélio nos mostra: re-lendo o passado, re-escrevendo o presente. Com Ilusão, sem ilusões.
Otto Leopoldo Winck, escritor
Outono 2021
ISBN: 978-65-89624-16-5
112 pág.
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Marco Aurélio de Souza
Marco Aurélio de Souza (Rio Negro/PR, 1989) é autor dos livros Desarranjo (romance, 2020), Assombro Zen (poemas, 2020), Os touros de Basã (contos, 2019), Anjo Voraz (Prêmio Benfazeja, poemas, 2018), Travessia (poemas, 2017), Conexões Perigosas (romance, 2014) e O Intruso (romance, 2013). Publicado em diversos periódicos e antologias, é doutor em Estudos Literários pela UFPR e, no momento, atua como professor de História na rede pública de educação. Edita o selo Olaria Cartonera e mantém a página de crítica O Pulso – decálogos sobre a poesia viva. Vive em Ponta Grossa/PR.