Abrindo o círculo do corpo do trovão somos invocados por uma voz ora amorosa, ora raivosa, pela entonação pressagiadora. A oscilação é justificada pela eminência semântica do apocalipse humano, redimida em versos glorificantes sobre flores, ervas, bichos e depressões terrenas, dramatizando bem mais que seus suaves espíritos elementais, já que corporifica a própria corda vocal do poeta retinindo no címbalo de nossos tímpanos leitores, também atônitos pelo veredito da morte anunciada, que, nas estrofes, se apresenta como alguma música eletrônica de arranjos experimentais, extremamente calculados para se adequarem ao ritmo difuso da junção de mitologia, ecologia e rotina humana, sempre melancólica por entender-se efêmera e predadora.
O roteiro dos poemas encadeia a visão alucinatória da realidade climática e geológica que nos cerca, sempre em ruptura, e, talvez por isto, tentadora para que dancemos sobre sua atmosfera e superfície falsamente segura, hipnotizados pela profecia do fim indicado pelos seus mensageiros, os deuses impassíveis cantados com tantos nomes por diversas culturas, e pela eternidade, bela e imagética, soprada pelos anjos que seguem o poeta ̶ o seu amor e as suas personas textuais ̶ que nos aconselham a encarar imparcialmente o mal e o bem, alertando que o equilíbrio entre eles nos salva.
Capturando o terror e a beleza vivenciados e os injetando na articulada rede de artérias do texto, o poeta nos revela que só a vacina da autopercepção pode ensinar ao organismo suas próprias defesas poéticas. O corpo é a seringa; o trovão é o êmbolo, a força selvagem e natural que impulsiona o corpo que se escreve.
Dance sobre os cadafalsos psíquicos e materiais, consciente do impacto elétrico que sua própria dança provoca. Não espere Kalki chegar para sensibilizar-se com a tristeza sonora da matéria, fechando o círculo sem ser tocado pela seiva das chuvas de outubro, dos lilases celestes e do canto submerso. Não esqueça que as estrelas que vemos já estão mortas, apesar do brilho vivo que nossos olhos captam. É o que O Corpo do Trovão diz.
Andréia Carvalho Gavita
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Yuri Amaury (Curitiba, 1991) é doutorando em Estudos Literários na UFPR e poeta, autor de Agáloco|Transviscerações (Urutau, 2020). Recebeu segundo lugar no Prêmio Off-Flip de Literatura 2020 na categoria Poesia. Seus poemas já apareceram na antologia Fantasmagoria (Ofícios Terrestres, 2022) e nas revistas Posfácio, Literatura e Fechadura, Ruído Manifesto, Mallarmargens e Totem & Pagu.