só se escandem versos que nada têm a dizer. gosto de pensar que todos os grandes vomitariam ao saber que se tornaram objetos de pesquisa dentro de nichos autorreferentes. rimbaud não mijou na mesa à toa. conheço o victor há dezesseis séculos, um dos poucos bons amigos. há coragem no fazer poético. não quero falar de nenhum tipo de suposta resistência através da expressão artística. apesar de a realidade deixar sempre a desejar, meio que como resultado de um tipo de insatisfação crônica indissociável do despertar matinal, a doença mental, que não é palpável mas no real influi, já aniquilou mais do que o holocausto. a metafísica e seu peso conceitual. quero me juntar à voz que pariu essa taquigrafia da doença e reconhecer a impossibilidade disso tudo. sabe que não é sobre uma denúncia amargurada da falência geral, mas uma espécie de reconhecimento quase catatônico da coisa toda? não há espaço para o ressentimento. não tem como crucificar as mãos do mundo, a voz anuncia, uma vez que elas já foram incineradas.
pretenso observador imparcial, me escoro num canto remoto do palco e recebo na cara uma tempestade de granizo. o impacto incomoda, mas não machuca de fato porque pode haver beleza na dor. não é sobre isso. a impressão é que são versos lapidados com uma seriedade desesperada, executados com a dedicação de um ourives delirante que checou a veracidade de um diamante e, quando certo de que tinha em mãos algo valioso, pediu a loucura em casamento. é como uma despedida cifrada e doída, sem melodrama, que exige esforço mas recompensa no final. há setenta e sete mil formas de se falar sobre o nada, provavelmente todas já escritas, até que surja a nova e assim o montante suba para setenta e sete mil e um, e outras dezoito bilhões de formas ímpares de se absorver o conceito.
o esforço, porém, deve partir de quem lê. são poemas que não admitem receptores passivos. em uma época de tanta dispersão mental, surge um livro que pede rigorosa atividade cerebral. bobeira maior está para existir, isso de continuar escrevendo no século do entretenimento fácil, é o que finjo constatar quando a voz sussurra: “fixo a incompreensão; a não necessidade do conhecimento;/ escrevo por pouco entender; pelo estranhamento convulsivo”.
é mais ou menos assim que, tal qual parece acontecer com a concepção do autor, a realidade acaba ressignificada para o leitor que compreende que as impossibilidades mundanas da voz são, de alguma forma quase masoquista e certamente esquizofrênica, compensadas pela pretensa liberdade onírico-literária. os poemas tocam a partir de coices. após breve convivência com a linguagem poética do victor, o entorno é que fenece; não é mais sobre tentar decifrar o turbilhão sintático do autor, mas se ver refém de uma estranheza incontornável e estranhamente agradável.
como conselho final, diria que se deixe envolver nesse delírio sobre a métrica, como diz a voz, e entenda que tudo significa tanto quanto a poeira quando assoprada de um molho de chaves inúteis. os versos sibilam através de símbolos herméticos, como se escritos numa macabra língua morta que é praticada somente nos corredores vazios da universidade desconhecida, e soam como o grito de uma borboleta morta.
joão lucas dusi
para um poeta, o hermetismo e a autorreferência são cartões de visita em branco. o que acontece aqui, entretanto, é que o caminho que nos direciona à palavra manifesta é uma veia entupida prestes a rebentar. estamos no meio de um cérebro insanável ou de uma paixão sado-platônica, acoplados a um poeta que esmaga grilhões normativos em busca de uma liberdade autoral propositalmente utópica. lagartas e elefantes e formigas. a deficiência continental das artes. a dessincronização das coisas do mundo — enquanto acordamos de olhos fechados. neste taquigrafia, nasce finalmente o delírio sobre a métrica.
cristiano castilho
Primavera 2019
ISBN: 978-65-80103-61-4
53 pág.
R$ 39,90 R$ 27,93
Victor Hugo Turezo
victor h. turezo nasceu em curitiba (pr), em 1993. verteu minha massa encefálica despenca como se de um desfiladeiro (patuá, 2017).