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A POÉTICA DE EUSTÁQUIO GORGONE DE OLIVEIRA
A poesia de Eustáquio Gorgone de Oliveira tem se desenvolvido, ao longo de vários livros, na retomada de uma linguagem fortemente impregnada de nosso passado colonial. O conservadorismo desta linguagem tradicional se vê submetido a um tratamento renovador, de tal forma que os clichês seculares se desmoronam pelas novas articulações e nexos sintáticos que se estabelecem. O núcleo desta poética é o interior de Minas Gerais, não apenas marcado pela presença de indicadores do cotidiano, mas sobretudo por uma forma peculiar de dizê-los. Assim, estabelece-se um paradoxo envolvente e viscoso: de um lado, a imobilidade de uma linguagem secular e o que ela pretende representar; de outro lado, o vórtice poético que suga e revolve a imobilidade, arrancando sentidos novos à força de formão. A matéria inerte pulsa de vida, se contrai e se distende, permanente e medularmente. O que mais atrai nesta poética talvez venha daí, desta sensação de estranhamento que parece entranhar o que é familiar. É a realização mais plena da ostraniênie já proclamada como virtude pelos formalistas russos.
Ao mesmo tempo solar e noturna, a poesia de Eustáquio Gorgone reflete clarões e sombras. A impressão – e a palavra não é usada por acaso – é de acompanhar um séquito imenso, procissão, talvez, em que círios e paramentos se movem e se agitam, trocando de lugar, contorcendo-se em espirais e volutas, ora grotescas, ora humildes, ora grandiloquentes e desesperadas. Misturam-se uma percepção fortemente concreta, materialista mesmo, e um misticismo visceral, entranhado, carregado de metáforas de vazio e de transcendência. Observe-se que grande parte do que foi afirmado até agora pode ser destacado dos títulos de alguns dos principais livros do autor, a saber, Girassol fixo, Passagem na orfandade, O vazio segundo o poeta, A janela do verbo assistir, Três verbos ajoelhados, A fortaleza de feno e O epílogo insepulto. Um girassol fixo, por exemplo, imagem que sintetiza as tensões inerentes à poética do autor mineiro, contém em si os elementos do paradoxo. Recusa o sol ou o aceita apenas enquanto estaticidade. Nega o movimento, embora o afirme pelo seu próprio nome. É esta a dicotomia que marca praticamente todos os poemas. E no entanto se move. Mesmo que captemos apenas a inércia aparente na superfície da linguagem.
Na paisagem poética de Eustáquio Gorgone, a escolha do vocabulário já nos conduz na direção do engano. As palavras estão cobertas de uma pátina de respeitabilidade vetusta. Isto eu conheço, pode afirmar o leitor satisfeito de si mesmo, deixando-se enganar. A transubstanciação poética, a alquimia do verbo, de que Rimbaud já falava, subverte as relações semânticas e faz com que o relicário se abra para se oferecer presente, atual, vivo. Se algo há, nesta perspectiva, é uma obsessiva e constante presentificação do passado. Os cadáveres ressurgem, e já não são os mesmos. A luminosidade que irradiam vem da linguagem que os instaura, agora, já.
Gilvan P. Ribeiro
Tribuna de Minas, novembro de 1995
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Eustáquio Gorgone cerziu com precisão, desde a sua estreia em 1979, um universo poético para o qual, até o momento, podemos evocar antecedentes, mas não sucessores. Para os conhecedores do percurso de Gorgone esta afirmação não soa exagerada, pois, apesar
da discrição do autor, sua obra se prospecta como um território indispensável, já que provoca as tradições literárias e culturais (sem prescindir delas), celebra a integridade da palavra (sem deixar de desconfiar de seus limites) e investe no diálogo entre as diferenças (sem abandonar-se a um relativismo estéril, que inviabiliza a tomada de posições em face dos conflitos).
Da Apresentação da Antologia poética de Eustáquio Gorgone
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Antologia poética: Eustáquio Gorgone de Oliveira : 1974 – 2010
organização e apresentação de Edimilson de Almeida Pereira e Prisca Agustoni.
Curitiba : Kotter Editorial, 2022.
ISBN 978-65-5361-086-6
226 páginas
16X23 cm
ISBN 978-65-5361-086-6
R$ 74,70 R$ 52,29
Entre 2011 e 2012, em colaboração com Eustáquio Gorgone, organizamos um volume de sua poesia completa. O poeta revisou todos os poemas, fixando as versões que considerava definitivas. A reunião de vinte e dois livros, incluindo três inéditos, configurou uma obra volumosa, rica em temas e abordagens da experiência poética. Delineou também o perfil de um poeta que se destaca por ser lírico, transcendente, hermético e, simultaneamente, atento aos dilemas sociais, aos apelos do erotismo e à sátira dos hábitos sociais conservadores.
Em vista do falecimento do poeta em 2012, adiamos o projeto de publicação de sua poesia completa. Nos anos seguintes, dificuldades editoriais e financeiras inviabilizaram a publicação do extenso volume de poesia reunida. Diante disso, optamos pela organização e a divulgação da presente antologia. Ressaltamos, porém, que a publicação da obra completa do autor é um projeto que esperamos concretizar tão logo se apresentem as condições favoráveis.
Filho de José de Oliveira Moura e Maria José Gorgone de Oliveira, Eustáquio Gorgone de Oliveira nasceu em Caxambu, sul de Minas Gerais, em 22 de abril de 1949. Em 1959, concluiu o curso primário no Grupo Escolar Padre Corrêa de Almeida. Em 1960, ingressou no curso secundário, no Ginásio Caxambu, dirigido pelos padres da ordem religiosa Clérigos Regulares de São Paulo ou Barnabitas. Em 1965, na vizinha cidade de Baependi, frequentou o Colégio Nossa Senhora de Montserrat, sob a direção do frei Theodorus Köpp.
Em 1967-1968 o poeta lecionou História e Geografia na Escola Técnica de Comércio de Caxambu. Matriculou-se no curso de Letras no Instituto Superior de Ciências e Letras de Três Corações, em 1969. Nesse ano, ingressou no curso de Geologia da Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro, abandonando as aulas após dois semestres. De volta a Minas, licenciou-se em Letras, em 1973, pelo Instituto Superior de Ciências e Letras de Três Corações.
De 1974 a 1978, residiu no Rio de Janeiro. Lecionou Literatura no colégio CENIAB, em Angra dos Reis e publicou pela Editora Pongetti o livro Delirium-tremens prefaciado por Marcos Konder Reis. Em 1979 ingressou no serviço público federal, trabalhando no antigo Instituto Nacional de Previdência Social, em sua cidade natal. Em julho desse ano, casou-se com Solange Abreu de Castro com quem teve três filhos. Em 1987, obteve a licenciatura em Pedagogia pela UNICOR, em Três Corações.
Entre 1983 e 2009, Eustáquio Gorgone publicou vários livros em edições alternativas. Dentre esses, destacam-se a antologia Tear de imagens (Edições d’lira, Juiz de Fora, 1990) prefaciada por Iacyr Anderson Freitas e A fortaleza de feno (Edição do Autor, Caxambu, 2009) com ilustrações de Pedro Leal.
No mesmo período, participou de antologias nacionais e internacionais: Antologia da nova poesia brasileira (Rio de Janeiro, 1992) organizada por Olga Savary; International Poetry Review publicada pela University of North Carolina, Greensboro (USA, 1997) com traduções de Steven F. White; Ricerca research recherche, Lece (Itália, 2000) organizada pela poeta e professora Vera Lúcia de Oliveira; Poesia em movimento (Juiz de Fora 2002) organizada pelo jornalista Jorge Sanglard; Oiro de Minas: a nova poesia das Gerais (Lisboa, 2007) organizada por Prisca Agustoni. Em 2008 foi incluído no livro ll corpo dissonante: cinque poeti brasiliani contemporanei (Lugano, Suíça) organizado e traduzido por Prisca Agustoni.
Eustáquio Gorgone obteve diversas distinções literárias, dentre as quais, Menção Honrosa no Prêmio Cruz e Sousa de Literatura (Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, 1998); 1º lugar no Prêmio Estímulo às Artes pelo livro A janela do verbo assistir (Fundação Clóvis Salgado e Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005); Menção Honrosa pelo livro A janela do verbo assistir no Prêmio Paulo Mendes Campos (União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro, 2005); 1º lugar pelo livro inédito O cavalo e a sombra no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte (Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte, 2005); Menção Honrosa no Prêmio Mario Quintana (Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul nas comemorações do centenário de nascimento de Mário Quintana, 2006); 1º lugar no Concurso Literário São Bernardo do Campo (Secretaria Municipal de Cultura, 2009).
Após um período de diagnóstico e tratamento, Eustáquio Gorgone faleceu em 26 de março de 2012, em São Paulo. Segundo familiares, o poeta deixou textos inéditos, além dos que foram incluídos nessa antologia.
Os organizadores