Escrever Carlos Alberto Gramoza é escrever resistência. Resistência contra a tirania da memória, mas também contra a falta dela; resistência para que os condenados da terra não sucumbam frente à maresia inóspita dos opressores, mas também resistência para que as suas vozes sejam ouvidas e construam o corpo vivencial e real da poética e do coração do autor; resistência para que os mares, os rios e as matas, que conjugam versos nas veias do poeta, permaneçam vivos e sejam pontes de memória e de ancestralidade.
Escambo: instrumento de dominação portuguesa nos primeiros séculos no Brasil, mas também possibilidade de uma economia da dádiva, alheia aos mecanismos do Capital. Escambo de vozes loquazes que se emprestam ao poeta e a nós e que, como correias, existem no nosso sangue e no nosso fazer poético. Escambo dessas vozes que nos tatuam na pele a memória de Marielle Franco, da África Portuguesa e de todas as exurgidas vozes presentes neste livro: a voz quilombola, do negro das favelas, das mulheres, dos indígenas e de todos os movimentos sociais que lutam por um mundo melhor, cicatrizando-o e criando um futuro digno da nossa humanidade.
Escrever esta poesia é, também, escrever a memória dos rios e das matas antes dos invasores que, como nadadeiras e no dorso do rio, escrevem esse tempo e pedem que sejamos veias poéticas dessa ancestralidade. Como poderemos escrever contra esse despovoamento e sermos fieis testemunhas dessas “noites com vozes e fogueiras e lua / E estrelas / Visões de homens e mulheres nus / Sem dolo, / Todos de luzes cobertos”? Noites que não são apenas ancestrais, mas que vibram na memória pessoal e familiar do próprio Gramoza.
Esse canto resiliente e essas conexas mãos que, “encostadas na pele”, nos convidam a iniciar uma caminhada de múltiplos futuros. Uma caminhada lamentosa, mas de “desaguada esperança” que quer de volta as vozes perdidas, vozes de raízes audíveis e fortes e intensas que falam dessas “feridas / Na pele, / Das suas cicatrizes, / Das provações, / Das saudades, (…) / Do presente”.
Tal é a voz do tempo inerrante e poético de Carlos Alberto Gramoza. Voz intensa, original, voz de todas as matas e esperanças e lamentos, voz quilombola, indígena, voz dos movimentos sociais e dos condenados da terra que, evocando Fanon, precisam juntar as mãos.
Jorge Vicente
***
Escambo – Carlos Alberto Gramoza
ISBN: 978-65-5361-198-6
16×23
80 páginas
R$ 44,70 R$ 31,29
Carlos Gramoza Vilarinho é natural de Boa Esperança, município de Amarante – Piauí em 08/01/1958. Publicou Tempos Perplexos – Dpto de Cultura da Universidade Federal do Piauí – Teresina-PI-(1993), Passos Oblíquos – Fundação Cultural do Piaui/Prefeitura Municipal de Amarante – (1994), Ressacas – Edição independente – Teresina (2018)
Colaborou na Revista portuguesa inComunidade; na Revista mexicana Sky Culture Magazine e no Salão virtual internacional de artes e literatura.