Em O Heautontimoroumenos nós encontramos, mais ou menos, uma certa unidade, tanto no assunto quanto na forma poética à medida em que o livro foi escrito pelo autor em sua juventude. Sem metro nem rimas fixas, o autor se deixou guiar, muitas vezes no ápice da sensibilidade, por seu ouvido naturalmente melômano, por seu ritmo lírico espontâneo e pela criação de seus poemas “ao correr da pena” (para citar Sartre), o que culminou muitas vezes em imagens realmente ecfráticas, em puro sentimento, frequentemente sem um pano de fundo “real”, de forma quase cósmica, “etérea” – uma de suas palavras mais frequentes -, apenas sentimento, e que visa muito mais o poder do som do que o sentido da frase, o que faz com que muitos dos poemas possam ser recitados em voz alta mais livremente, com ritmo e som, ao invés de apenas com metro e rima.
Plosivas para sentimentos de ódio, fricativas para frenesis, nasais para suas melancolias, líquidas para declarações e suas loucuras. Tudo isso o autor se deixou criar como que espontaneamente, à maneira como o sentimento se formava em seu peito (para citar Dostoiévski), de forma totalmente inconsciente ou semiconsciente.
Os versos de A Flauta Mágica de Mozart, utilizados como epígrafe e desconhecidos do autor à época da composição dos poemas, em nada falham a escuridão que cerca a todos nós e nosso constante desejo por alguma Luz.
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“O Heautontimoroumenos” – do grego, “o carrasco de si mesmo” – é uma coletânea de poemas escritos durante a juventude do autor, aos dezoito anos. Após escrever diversos contos, foi inspirado pelo onirismo de Fernando Pessoa, pelo surrealismo de Rimbaud, pelo “lirismo dos bêbados” – “o difícil lirismo dos bêbados” – de Manuel Bandeira, e pela raiva de um Bukowski que Lucas escreveu a presente coletânea, livro dedicado “ao jovem de 18 anos que o escreveu de fato. Ele tinha muito a dizer, e pouco lhe importava a forma com que o dizia”.
O presente livro, com o qual o leitor se deixará “narcotizar” ao ler seus poemas, é uma descida (e permanência) nos diversos infernos que se poderia encontrar na alma humana: o inferno do abandono, da solidão, da melancolia, da inaceitação; do sentimento de ser, em vida, um “corpo estranho” (e do próprio sentimento de ser-em-vida); do sentimento de insuficiência, de mediocridade, de pequenez. — Esses e tantos outros sentimentos o leitor encontrará, e diga-se que em constante repetição, como uma ideia fixa, um cacoete mental, uma purgação sensível (ou tentativa de) — ou, para continuar na analogia: o leitor encontrará todos os demônios que, nesse inferno, parecem não poder ser exorcizados.
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O Heautontimoroumenos
Lucas Ruan.
2024.
192 p.
16X23 cm
ISBN 978–65–5361–311–9
R$ 69,70 R$ 48,79
O Heautontimoroumenos, traduzido do grego como “o carrasco de si mesmo”, representa uma jornada lírica pela alma humana, explorando as profundezas do sofrimento e do autoconhecimento. Escrito aos dezoito anos pelo autor, este livro de poemas reflete uma fase de intensa sensibilidade e introspecção, marcada por influências literárias significativas como Fernando Pessoa, Rimbaud, Manuel Bandeira e Charles Bukowski.
No início de sua carreira, o autor dedica-se à poesia após experimentar a narrativa breve, inspirando-se no onirismo e na expressividade de grandes nomes da literatura. A obra não se preocupa com a estrutura formal de rimas e métricas, mas sim com o fluxo espontâneo de sentimentos e pensamentos, emergindo de uma forma quase etérea e intensamente sonora. O autor deixa-se guiar por seu instinto melomaníaco, resultando em versos que, embora desprovidos de um formato tradicional, capturam essências emocionais profundas, frequentemente evocando imagens ecfráticas que transcendem o concreto.
Através de uma variedade de estilos fonéticos, como plosivas, fricativas e nasais, o autor expressa um leque de emoções humanas básicas — da raiva à melancolia. Esses estilos são escolhidos para acompanhar os sentimentos que cada poema tenta evocar, criando uma experiência auditiva rica e envolvente para o leitor. A referência à “A Flauta Mágica” de Mozart como epígrafe reforça esse enlace entre a música e a poesia, delineando a busca constante por luz em meio à escuridão emocional.
O livro não apenas narra, mas também envolve o leitor em uma viagem pelos “infernos” pessoais do autor — lugares de solidão, desespero e introspecção dolorosa. Esses temas ressoam universalmente, conectando leitores de diferentes backgrounds através de uma experiência compartilhada de dor e autoconhecimento. Cada verso serve como um espelho, refletindo não apenas a vida do poeta, mas também as lutas internas que todos enfrentamos.
Este livro, embora ancorado na juventude do autor, fala com uma voz que é ao mesmo tempo atemporal e profundamente pessoal, convidando todos aqueles que o leem a confrontarem seus próprios demônios internos e a buscarem compreensão e paz interior.
Em O Heautontimoroumenos, o leitor é convidado a mergulhar em uma exploração poética da condição humana, confrontando a realidade de nossas próprias complexidades emocionais. É uma obra que desafia, conforta e, acima de tudo, nos faz refletir sobre a beleza e a tragédia de sermos quem somos.
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Lucas Ruan tem 21 anos e é de Teresina-PI. Escreve desde os dezessete anos, principalmente ensejado pelas leituras de Poe e de Nietzsche. Sua obra visa abordar ontologicamente o Ser, principalmente através das artes, da filosofia e das ciências (os pilares epigonais do Homem, dos quais tudo derivou, segundo o autor). Com seu conto “Aberração” foi finalista do prêmio Pena de Ouro, da editora CBL, onde disputam diversos países lusófonos, e integrou duas coletâneas da mesma casa editorial, os 1001 Poetas e a Invictus.