(Por Eugênio Vinci de Moraes)
Encher um corpo de bala tem sido banal no nosso país. Em 2019, militares houveram por bem despejar 8 dezenas de balas de fuzil no carro dirigido por Evaldo dos Santos Rosa, no Rio de Janeiro. Músico, Evaldo ia com a família para um perigoso chá de bebê. Não foi. Acabou levando pro outro mundo um corpo condecorado por dezenas de medalhas de chumbo.
Policiais de Goiás entraram na gincana. Elevaram o level para 127 pipocos. Destas, trinta e oito balas adoçaram o lombo de Lázaro Barbosa. O sangue enrubesceu a mata de Águas Lindas de Goiás, onde o fuzilaram. A cidade goiana ainda há de ver o belo topônimo alterado. Um vereador mais afoito rumina, por certo, nomes como Águas Rubras de Goiás ou Lázaro Perfurado.
Outras vezes, basta uma bala. A dançarina Kathlen de Oliveira Romeu, de 24 anos, recebeu a sua numa operação policial em Lins, no Rio de Janeiro, em junho deste ano. Nesse caso, a PM ficou no lucro porque a Kathlen estava grávida de 14 meses. E lá tem bala perdida pra agremiação militar fluminense? Ex-moradora da região, a dançarina tinha ido visitar a avó. As investigações estão a cargo da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), a qual sugiro acrescentar um B à sigla: Pacificadora à Bala.
E há a bala de fuzil. Uma, apenas uma, bastou pra cancelar o CPF de quem nem os tinha ainda: duas crianças. Da menina Rebecca Beatriz Rodrigues Santos, de 7 anos, também amante da dança, e de Emilly Victoria da Silva Moreira, três anos mais nova, ligada num funk. Brincavam em frente de casa, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Rebecca e Emily e mais oito crianças foram baleadas e mortas nesse estado, em 2020.
Que não reste dúvida, não se trata nem de modismo carioca nem mesmo de algo moderno. Em 1897, mulheres e crianças foram meticulosamente degoladas por soldados do Exército brasileiro, mal terminada a guerra (sic) de Canudos, em Belo Monte, Bahia.
Apesar do feito, não foi pioneira essa brava soldadesca brasileira. Cerca de 50 anos antes, centenas de soldados negros morreram à traição por tropas do Império, conchavadas com a gauchada da revolução farroupilha. Esse episódio ficou conhecido como o Massacre dos Porongos, que contou com a participação luxuosa de Duque de Caxias. O patrono do Exército brasileiro teve o cuidado de alertar os assassinos: .“Poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca[…]”. Foi a forma que encontraram para não cumprirem a promessa de alforriar os soldados pretos.
Tudo muda. Não se usam mais facões, lanças, chibatas ou outras armas obsoletas. A bala é mais rápida e, de quebra, não suja as mãos do carrasco. -Muda muita coisa, mas nunca o destinatário: os pretos, em sua imensa maioria. Dá uma googlada com as palavras massacre, chacina, assassinato, negros ou pretos, e abrigue-se. Pixels sanguinolentos pulularão em tua tela. E, se morar numa periferia, se for preto, abaixe-se.