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A velhice caminha por aqui. Coloco uma pedra e ela volta, numa poltrona antiga, rasgo o tempo entre os dedos. Esses dedos de linhas impertinentes, iguais aos de tantas mulheres, que eu não sei se dormem direito.

Minha mãe nunca cochilou no meio da tarde, após o almoço a labuta da dona- de- casa rompia o dia. Por conta do meu olhar atravessando espaços, não aprendi a descansar. Inutilmente busco alguma sesta.

Pensei no embrulho dos tempos em que vivi nas manhãs, tardes, noites e nesse trabalhar profissional, criava filhos, como conseguia fazer tudo eu não entendia. Mas fiz. Às vezes, com intervalos exaustivos por dentro de mim.

No amontoado de verdades presas, o que instiga o que oscila, o que invade nesse atravessar é a busca pela ternura. Se tudo fosse próximo aos meus desejos, meus goles de café desenhariam poesias e disfarçariam lágrimas.

A solidão pariu algum instante. Busco o passado. Aquelas amigas onde estão?

Elas não sabem de mim. Hoje, o bar, a festa de aniversário de cada uma, eu aqui, sem ninguém por perto. As amizades são feitas do resistir.

Alguns minutos em um questionário: Quem vai? Quem permanece?

Talvez o último ato seja abrir a fertilidade abstrata porque nada em mim a selvageria de avançar os dias, de pensar como a natureza, às vezes sol, de repente, névoas.

Não minto. Demorei um pouco para aceitar “Senhora”. “Você” ainda é melhor.  Senhora e você sou eu. Conjugando levezas. Ou tentando.

A vida, a lapidação, as pernas longas dessa senhora não tem mais os diários de antes, os olhos límpidos de antes, a libido transfere- se para outros lugares. Acatando o envelhecer.

E em cada foto antiga, opto pelas minhas marcas do agora.

Por enquanto, minhas mãos escorrem no teclado de um computador deixando páginas sem títulos.

Versos em várias variantes. Observo o mapa de viagens no meu deslocamento intimista.

Não por acaso, nasci em janeiro, no raio de sol de uma tarde chegando ao fim.

Acordo aos sessenta e um anos e oito meses. Nem por isso, me preocupo com a morte. Porque o que me invade sorrateiramente, é a delicadeza do passar dos anos.

Nunca sou sempre estou no meio desses trilhos. Uma mulher em cada espaço. Uma geografia. Uma câmera carregada de imagens. São as cenas puxando uma vida.

Talvez eu escreva um novo livro, quando o Brasil de verdade, cantar novos refrãos.

Ando pela casa à procura de novas histórias. Confiante, de mãos dadas com o tempo, negociando meus sonhos.

2 respostas

  1. Uma crônica contagiante e espaçada de um breve momento do envelhecer sem muito pesos. O escritor não envelhece pois é feito de histórias em vários espaços.
    Obrigado por me degustar dessa maravilhosa crônica.

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