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Um teclado verde suspenso no ar. Folhas de todos os tons, formas e combinações. Tocam para os olhos. As da Ameixeira são grossas, verde-escuras, abrem-se em taças. A Manuel-Pintado as tem claras e delicadas; plugadas em caules mínimos, fingem flutuar. Outras, longas e flexíveis, remam o vazio num galho horizontal. As nuvens amarram a luz, a mata soa grave sob o céu cinza. A paisagem move-se por dentro nesta manhã fria e esquecida do Pilarzinho.

A chuva veio antes. Wagneriana. Um trovão estalou a casa. Os cachorros correram para o banheiro, os gatos apertaram-se em nossas pernas. Rios de cidades próximas subiram até os telhados, expulsaram — quando não engoliram — os moradores. Em Curitiba, correm rios modestos, não roncam nem se abrem como o Itajaí, o Uruguai, deságuam concisos para os contos do Trevisan. BelémBelém. Exceção do Iguaçu. Nasce na cidade e, ainda piá, inunda as ruas e adentra as casas dos moradores do Caximba, bairro no extremo sul da cidade.

A mata segue tocando. Cresce andante entre as brechas que encontra. Nada de bosques, nem mesmo as paisagens pintadas por Pancetti. Como as das duas telas pintadas por ele em Campos de Jordão: uma com bois, outra sem. Na primeira, o verde desliza para o amarelo, dois bois distantes, mínimos no fundo do quadro, copas cortadas pelo ponto de vista do pintor, natureza em adagio geométrico. Na outra, o verde escorrega para o cinza, mais um cisco de azul. Cézanne mais arredondado, as formas conversam baixinho, um andamento largo atrai e apazigua o espírito.

Ninguém foge de um quadro de Pancetti. As paisagens dele se organizam para nos deixar ali, tentando captar-lhes o ritmo. Um clima concertado e alegre. O pintor campineiro chega a esse tom como se nada fizesse. Entre Cézanne e Gauguin nos entrega um mundo simpático, dá vontade de estar nele, como as duas figuras da Marinha de Saquarema contemplado o mar, mar de um verde raro fora dos seus quadros.

O frio permanece. A umidade faz a felicidade das plantas. Elas seguem tocando, graves, um rumor vibrante na ponta das folhas, nos ramos, galhos e troncos. A natureza se mexe, o clima desconcerta as cidades, seus moradores. A paisagem altera-se num crescendo. Até no Pilarzinho se percebe. Pancetti morreu em 1958, não tinha como saber.

Eugênio Vinci de Moraes é bacharel em Língua e Literatura Portuguesa e Italiana (2001) e doutor em Letras (Literatura Brasileira) pela Universidade de São Paulo (2007). É professor de Língua Portuguesa do Centro Universitário Uninter (UNINTER-PR) desde 2008, editor da Revista Uninter de Comunicação desde 2013.

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