por Marcelo Ariel
‘Que venha a tempestade !’ escreveu Shakespeare em Macbeth, este é também o título de um ótimo romance do escritor e músico Paul Bowles, por trás dessa frase que na peça indica a preparação para a vinda de algo terrível se esconde também um sentimento estóico que se mistura com uma coragem que só se revela diante da iminência desse algo terrível que se pensarmos perigosamente a história já ocorreu e a tempestade será um de seus efeitos e não a coisa terrível em si. Os poetas falam por metáforas, desejam geralmente deslocar as palavras para um lugar onde elas se pareçam com a vida e não apenas resvalem na vida produzindo faíscas de insuficiente compreensibilidade do vazio e canções de amor.
Encontro na coletânea de ensaios de Octávio Paz ironicamente intitulada ‘ Signos em rotação’ este excerto : ” A complexidade da sociedade contemporânea e a especialização que requer o trabalho estendem a condição abstrata do operário a outros grupos sociais. Vivemos em um mundo de técnicos, diz-se. Apesar das diferenças de salários e de nível de vida, a situação destes técnicos não difere essencialmente da dos operários: também são assalariados e tampouco têm consciência da obra que realizam. O governo dos técnicos, ideal da sociedade contemporânea, seria assim o governo dos instrumentos. A função substituiria a finalidade, o meio, ao criador. A sociedade caminharia com a mesma eficácia, mas sem destino. E a repetição do mesmo gesto, característica da máquina, conduziria a uma forma desconhecida de imobilidade: a do mecanismo que avança de parte alguma para nenhum lado. ”
Nos objetos imanentes de cultura produzidos anteriormente encontramos as luzes para iluminar nosso atual estado político, o que não significa de modo algum que eles apontem alguma direção, apenas iluminam uma estrada sem nome em uma noite insone da história.
As canções de Belchior e as de Djalal Ulá Udin Rumi, convido todos a lerem em voz alta esta canção do grande Rumi, traduzida por Leda Yunes, como se fossem Gorchákov , personagem do filme Nosthalgia de Andrei Tarkovski atravessando as águas com uma vela acesa entre as mãos :
Eu estava morto – Rumi
Eu estava morto, à vida retornei. O pranto virou riso.O reinado do amor chegou e eterno soberano me tornei.
De olhar saciado e com a alma repleta de coragem,tenho o estrela do leão, sou a reluzente Vênus.
Disseram: não enlouqueças, não mereces o hospício.Fui e me converti num louco de atar em correntes.
Disseram: não bebas se não tens com quem ir.Fui e me embriaguei de encher a taça de ânimo. Disseram: não estás morto nem transbordas de amor.Uma face cheia de vida me abateu e me matou.
Disseram: tua astúcia te enche de fantasias e dúvidas.Disfarce e medo, desenterrei tudo de mim.
Disseram: és a vela que direciona este grupo.Não sou vela, no meio da fumaça me dissipo.
Disseram: és o sheikh! A cabeça, o líder.Nem sheikh, nem líder; tens em mim um vassalo.
Disseram: não te darei asas, voa com as tuas próprias.De tanto desejar aquelas, fiquei sem nenhuma.
E ouvi: nesse novo reino, não forces nada, nem te movas.Pois, por gentileza e benevolência, eu mesmo virei a ti.
Dizem que um amor antigo nunca nos abandona. Concordo. De mim não sai e fica para sempre.
Tu, “a menina dos olhos” do sol; eu, a sombra do salgueiro.Desde que fizeste minha cabeça, me extingüo ofuscado.
O brilho da alma irrompeu no meu coração e o abriu.Ele agora veste cetim novo, rompeu com os farrapos.
O signo da vida nos embala ao amanhecer.De servo e pastor passei a rei divino.
O embrulho de um doce que nunca acaba chegou a mim e por ele fui envolvido.
A terra se inclina grata às órbitas celestiais.Do seu brilho e giro me tornei receptáculo.
Gratos são, terra e estrelas, ao soberano dos anjos e dos mundos.Da sua dádiva e benevolência vem minha luz e dom.
Grato é o místico de Deus que tudo conhece e atravessa:acima das sete esferas, irradio em seu reluzente lúmen.
Eu era Vênus, lua me tornei; duas mil facetas celestes ganhei.Tendo sido José, de agora em diante sou quem dá vida a José.
E de ti, o distinto luar: veja-o em mim ou em si mesmo,pois ao teu riso me converto em jardim florido.
Como no espírito do xadrez, conversando em silêncio,vi a bem–aventurança na face do Rei e fui abençoado.
مرده بدم زنده شدم گریه بدم خنده شدم دولت عشق آمد و من دولت پاینده شدمدیده سیر است مرا جان دلیر است مرا زهره شیر است مرا زهره تابنده شدمگفت که دیوانه نهای لایق این خانه نهای رفتم دیوانه شدم سلسله بندنده شدمگفت که سرمست نهای رو که از این دست نهای رفتم و سرمست شدم وز طرب آکنده شدم گفت که تو کشته نهای در طرب آغشته نهای پیش رخ زنده کنش کشته و افکنده شدمگفت که تو زیرککی مست خیالی و شکی گول شدم هول شدم وز همه برکنده شدمگفت که تو شمع شدی قبله این جمع شدی جمع نیم شمع نیم دود پراکنده شدم گفت که شیخی و سری پیش رو و راهبری شیخ نیم پیش نیم امر تو را بنده شدمگفت که با بال و پری من پر و بالت ندهم در هوس بال و پرش بیپر و پرکنده شدمگفت مرا دولت نو راه مرو رنجه مشو زانک من از لطف و کرم سوی تو آینده شدمگفت مرا عشق کهن از بر ما نقل مکن گفتم آری نکنم ساکن و باشنده شدمچشمه خورشید تویی سایه گه بید منم چونک زدی بر سر من پست و گدازنده شدمتابش جان یافت دلم وا شد و بشکافت دلم اطلس نو بافت دلم دشمن این ژنده شدمصورت جان وقت سحر لاف همیزد ز بطر بنده و خربنده بدم شاه و خداونده شدمشکر کند کاغذ تو از شکر بیحد تو کآمد او در بر من با وی ماننده شدمشکر کند خاک دژم از فلک و چرخ به خم کز نظر وگردش او نورپذیرنده شدمشکر کند چرخ فلک از ملک و ملک و ملک کز کرم و بخشش او روشن بخشنده شدمشکر کند عارف حق کز همه بردیم سبق بر زبر هفت طبق اختر رخشنده شدمزهره بدم ماه شدم چرخ دو صد تاه شدم یوسف بودم ز کنون یوسف زاینده شدماز توام ای شهره قمر در من و در خود بنگر کز اثر خنده تو گلشن خندنده شدمباش چو شطرنج روان خامش و خود جمله زبان کز رخ آن شاه جهان فرخ و فرخنده شدم
Que venha a tempestade! Temos sede e fome e a fúria em nosso sangue, se converterá na alegria de ver mais uma torre cair.
Todas as armas no fundo do mar
Todos os relógios no fundo do mar
Todas os celulares no fundo do mar
No fundo do mar, no fundo do mar…
*Marcelo Ariel é poeta e performer, autor dos livros “TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS” ( LetraSelvagem, esgotado), RETORNAREMOS DAS CINZAS PARA SONHAR COM O SILÊNCIO ( Editora Patuá, esgotado) , JAHA ÑANDE ÑAÑOMBOVY’A ( Editora Penalux), entre outros. Em breve será lançado OU O SILÊNCIO CONTÍNUO -POESIA REUNIDA 2007-2017 que está no prelo pela Kotter/Patuá.