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– Ela sorria com os pés!

Tento adentrar as suas ondas marítimas.

Há nas espumas do mar a poesia esfarelada.

Repare, será que ouvi direito?

Quero saber mais! Ao que parece o sorriso veio calçado no scarpin da outra, a tal que desdenhava.

A senhora, esmiúça pausadamente a memória, conta-me tintim por tintim.

Perco-me, sigo preso ao tal riso com os pés, que pisoteou o relato e também esta crônica.

A história da moça, que não tem rosto e nem coração, apenas um mangar nos pés, é onde tento agarrar e não consigo. Escapam-me as palavras, que confidenciou-me, em tom, às vezes, queixoso a personagem de vestido floral.

Repare, na calçada havia um cãozinho correndo ligeiro em plena tempestade, pude vê-lo enquanto guiava vagarosamente o veículo.

Estou pensando nele, na solidão de um cachorro abandonado, correndo em disparada na chuva.

Dentro do carro, naquele trânsito, sinto-me desolado por não ter ido correr com ele.

O barulho intermitente das palhetas do limpador de para-brisas, acendo as luzes, estou em outra esquina, o cãozinho já deve estar longe, aguaceira não dá trégua, raios, relâmpagos, luzes dos semáforos piscando, estão fora do ar, assim como eu.

“Chorei, chorei/ Até ficar com dó de mim/E me tranquei no camarim/
Tomei um calmante, um excitante/E um bocado de gim.”

Era Chico cantando no radar da minha mente.

Repare, retorno a corrente sanguínea do nordeste, que corre louca na estação de meu sangue.

Repare, repare! A Rua do Sol chega com outro nome na Praça Sinimbu, onde a estátua e a casa do poeta, Jorge de Lima, encontram-se.

Estamos nós, farejando as pistas, sob o céu azulado, em busca da casa.

Penso ouvir novamente, Chico Buarque, enquanto caminho, “Baby, bye, bye/ Abraços na mãe e no pai/Eu acho que vou desligar/As fichas já vão terminar/Eu vou me mandar de trenó/ Pra Rua do Sol, Maceió.”

Há neste verão o sabor da mangaba, mar azul, esmeralda e a sereia cidade que encanta e contamina nossos sentimentos.

Fuerte Fuerte!

Acometida por um sentimento de indignação, a personagem senhora, conta-me que naquele fim de tarde, a moça que sorria pelos pés, com seu sapato vermelho, alegre, mangador, afrontava à todos!

Véu de lágrimas.

Não caçoe, scarpin vermelho sem coração!

Fabio Santiago é poeta e prosador. Publicou os livros Intramurus, Versos magros (compre aqui), Mar de sombras e Cantos temporais. Instagram: @fsantiago006

Uma resposta

  1. Oi, Fábio, querido amigo, poeta e prosador dis melhores. Sua crônica deixou em mim a confirmação da vulnerabilidade dos sensíveis, dos que vasculham em si o que às vezes não têm certeza que querem achar. A consciência de que somos, os escritores e poetas, muito suscetíveis a nosso entorno e memória. Um. Beijo. Parabéns

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