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No canto esquerdo de um amplo saguão banhado por luz externa, quase na porta que leva para outra seção, repousa um pequeno expositor, que acomoda livros recém-chegados ao acervo.

Enquanto caminho, por sobre o piso brilhante, avisto a silhueta, poderia dizer uma sombra magra e dançante que, quanto mais me aproximo, revela um corpo arcado à esquerda. Noto agora os cabelos prateados que ainda resistem, está segurando um livro de capa azul-escuro.


Coloco-me ao lado deste senhor que reconheço somente agora. O livro, que segura com tamanha atenção, é o primeiro dos quatro de um autor desconhecido. Isto seria dito depois.


Cordialmente, quebro o silêncio:


– Opa, senhor O!


Incomodado, fixa sua atenção ao nome impresso na capa, percebe o meu cumprimento e responde:


– F, você conhece? Tem quatro livros deste autor, aqui.


– Sim! Conheço.


– Conhece mesmo? Já leu?


– Li os quatro dele!


– É jornalista?


– Também!


– É paranaense?


– Em certa medida.


Observou mais uma vez a capa azul.


– Senhor O, comece por esse, é o primeiro.


– Ah, não sei!


Seu corpo gira, por sobre a base.


Devolveu ao mostrador.


– Estou sem tempo agora!


Nos despedimos.

Distraído e insone

Eu trazia um leve sorriso no rosto. Desci lentamente a escada, fazia frio.

Aguardei para bater o ponto.

O autor nunca saberá que havia alguém como o Sr. O interessado por suas obras.

Espero na fila para registrar a saída no ponto eletrônico.

Caminho pela garoa fina, em mais uma noite fria de Curitiba. No calçadão da XV, havia poucas pessoas. Na praça Osório, a feira gastronômica parecia deserta.

Entrei no estacionamento limítrofe a praça, liguei o carro, comecei o trajeto para casa.

Tenho andado distraído, com muita insônia e confuso.

Durante o trânsito das 20 horas, removo o pensamento ao Senhor O.

Sujeito solitário, aparentando mais de 65 anos, que visita quase todas as noites a divisão em que trabalho. Disseram-me ser frequentador antigo. Geralmente traz consigo uma sacola com jornais que compra em uma banca, insolitamente, para comparar as páginas e os cadernos com os do nosso acervo.

Depois lê alguns artigos, quando as horas secam, anunciando o fechamento, parece não querer ir embora.

Provavelmente aquela poesia melancólica não faria bem para ele. A poesia adormece na estante e eu já não tenho mais o ímpeto de lhe indicar.

Senhor O, precisa de vida! A vida dos noticiários, a vida que escapa de todos nós.

Confuso e melancólico

Quando chega, quase sempre agitado, com sua sombra dançarina, é bem cordial, fala em um volume alto.

Gostava de conversar com a menina E, que tinha nome de poeta e não trabalha mais aqui.

Com a chefe da divisão, quase sempre o mesmo roteiro – Dona M, por favor, aquela revista… não encontrei no acervo. Olha, já está nas bancas!

Sou também um nome que ele pronuncia, geralmente a partir das 18 horas.

Simpático e com ares de um pai, o Sr. O estabeleceu um bom convívio com a menina nova que trabalha comigo, tímida, quase calada, sempre consigo mesmo, estudante de letras que o atende com um sorriso largo, quando ele lhe pergunta sobre teóricos da literatura e outros idiomas.

– K, por favor! Nossa poliglota, como pronuncia esta palavra?

Sorrimos. Gostamos dele!

O senhor O refugia-se em sessões de cinema e na biblioteca central.

No trânsito, sinto vontade de chegar logo em minha residência.

Tenho andado confuso e melancólico, coisas da idade que avança. Penso no senhor O tentando preencher o seu tempo com vida, agarrando-se a tudo que lhe escapa.

Sei que nada será como antes.

Acelero e vou, sem poesia, avançando a idade, cidade e os sinais.

Apenas na gramática dos pneus.

Fabio Santiago é poeta e prosador. Publicou os livros IntramurusVersos magros (compre aqui), Mar de sombrasCantos temporais. Instagram: @fsantiago006

2 respostas

  1. Maravilhosa é a mente dos artistas como Fabio Santiago, utilizando sensibilidade na percepção descreve situações peculiares em obras de arte .

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