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O Largo da Ordem abriga, aos domingos, a feirinha de Curitiba. Não há moinhos, e sim um cavalo babando.

Eu caminho com Angela, ele, com la imortal Dulcinéia del Toboso, em seu delírio; nestas aventuras, soy Sancho Pança, ele, o caballero de triste figura.

Bueno, seguimos acompanhados por nossas formosas damas, entre as barraquinhas de artesanatos, roupas, brinquedos, comidas… Avistamos pratos giratórios de mesa, coloridos e brilhantes.

Ele me olha com intensidade e diz:

Escudo encantado para enfrentar o gigante!

Em frente ao relógio das flores, uma garota recitava, lia, falava, interpretava, vivia, mastigava um poema.

Bela dama recebe-nos neste jardim ornamental, após nossa longa jornada de batalhas e lutas contra as injustiças e agravos, que causaram os insolentes.

Enquanto escrevo com as pernas nervosas em terremoto, a chuva cai, não sobre a feira, posso ouvi-la do escritório. Chegou para desarrumar la crónica ambulante e ensolarada.

Como prosseguir se o que ouço nesta quinta-feira são os pingos em frenesi?

Era apenas o escudeiro, em La crónica andarilha.

Antônio Marcos Pensamento da Silva canta Dom Quixote nº 8. Faço desta a minha trilha sonora. Grande Antônio Marcos!

Sombras tristes

Andarilhei como uma destas sombras, longas e de triste figura, que fingimos não ver nas marquises, embrulhados em cobertores ou com seus sacos de lixo, papelões e mochilas.

Também apagado por olhos ligeiros e fugidios, caminho, sim, meu caro leitor! Você talvez tenha ouvido falar que escrevo poemas, tão andarilhos quanto esta prosa corrosiva, volátil e esquecida.

Nestes nadas diários, em que a vida escapa por entre os dedos de todos que tentam tomar as rédeas, falava eu que esta crônica andarilha não dormirá ao relento. Por sorte, estrangeira em qualquer dos seus lugares, não caberá a ela o descaso das marquises, viadutos, calçadas… que muitos em situação de vulnerabilidade sofrem neste país.

Assisti ao curta metragem “Invisíveis”, do cineasta Wilson Cortez (Light Zone), este registro cuidadoso e potente sobre os seres humanos que se encontram à margem da sociedade e em profundo abandono. Vale o ingresso!

Visitam-me os versos de Solano Trindade:

Trem sujo da Leopoldina/correndo correndo/ parece dizer tem gente com fome/ tem gente com fome/ tem gente com fome/…se tem gente com fome/ dá de comer/ se tem gente com fome/ dá de comer/ se tem gente com fome dá de comer.

Adiante um sinal fechado, alguém dorme na fachada de um prédio abandonado, um rosto cola na parede, a crônica andarilha aperta o passo até chegar ao ponto final.

Nestas aventuras e desventuras, entre as vielas do vilarejo, os sinos tocam, sigo montado em meu burrinho, Dom Quixote de La Mancha atravessa a feira, Caballero andante, percebo que ele, de súbito, sai em disparada com seu Rocinante, é domingo, sou seu leal escudeiro, sorrio, estamos novamente andarilhando, cavaleiros em busca de justiça.

Fabio Santiago é poeta e prosador. Publicou os livros Intramurus, Versos magros (compre aqui), Mar de sombras e Cantos temporais. Instagram: @fsantiago006

2 respostas

  1. Fábio Santiago é autor de grande estatura. Li todos os seus livros. Um poeta que nos toca de forma inusitada. Sua prosa é instigante e poética. Nesta crônica em particular ele dá um salto, ligando o hoje real ao real e ficcional Dom Quitote De Lá Mancha, de Cervantes. Do mundo dos Cavaleiros Andarilhos salramos, sem perceber, para as noites sem tento de indigentes. E nos afirma que a caminhada não terminou. Parabéns, Fábio, sou sua fã. Sai uma crônica tua. E imediatamente fico a esperar a próxima. Um beijo

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