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Quem vem lá outra vez? Os mesmos personagens do dia anterior caminham velozes, escondem a idade que têm, esbaforidos aconchegam-se nas cadeiras e poltronas, cercados por periódicos de todas as ordens e jornais de outras paragens.

Um deles, o agitado, parece estar tão perto do jornal que daqui tenho a impressão de que seu rosto está sendo engolido, o outro, sujeito imprevisível, gira na cadeira, com a revista pousada nas mãos, brinca como um menino.

Há o que dorme enquanto lê, ou estaria lendo enquanto dorme? Este é mais lento, às vezes chega na hora de fechar.

Nesta revoada de cabeças brancas, cinzas e muitas despeladas, as noites parecem ser as mesmas.

Tem dias da semana que surgem novos atores neste cenário de letras e papel, além de outros velhos conhecidos que aparecem, conforme a lua.

Tem o lambe-lambe, o encrenqueiro, a mulher que carrega uma biblioteca para fazer seu trabalho e só faz amassar folhas.

Neste salão, sou miragem. Assisto quase que invisível este desfile de pessoas em busca do conhecimento ou de passar o tempo.

Dias atrás, entrou um morcego aqui. Ele tinha olhos vermelhos e carregava nas asas dois livros. Avistando o pé direito alto e as luminárias suspensas, apoleirou-se e, de cabeça para baixo, ficou lá agarrado pelas garras. Parecia ler calmamente, pensei ter visto colocar seus óculos.

Tinha umas asas marrons, seus caninos alongados estavam guardados, ou seria uma jaqueta marrom?

Quando as coisas apertam, ligo, envio mensagens para a Márcia, bibliotecária responsável pela divisão, ou busco socorro com a Adriani, funcionária técnica da seção. Dessa vez não fiz nada.

Possivelmente eu estava no transe, vampiros têm essa mania louca de hipnotizar os outros, mesmo assim, consegui pensar no Vampiro de Curitiba, quem sabe este seja um dos seus disfarces.

Duas garotas que não costumam aparecer, no auge das 19 badaladas da noite, uma morena e a outra polaquinha.

Lá do alto, percebo o morcego, vampiresco agitado. Parece não caber mais ali, tem olhos fixos nas beldades e não demorará muito para que elas caiam em suas presas, que nesta hora parecem estar expostas.

As moças vagueiam com pescocinhos à mostra em seu balé sedutor.

Gostaria de avisá-las, mas devo estar hipnotizado neste momento, sou apenas dois olhos a observar o quadro vampírico.

Nelsinho, é você? Penso enquanto retiro da gaveta os livros “A Polaquinha”, “O Vampiro de Curitiba” e “Em Busca da Curitiba Perdida”.

“Chupar a carótida de uma por uma.”

Nelsinho faz de tudo por uma boa transa, desce das estantes e quer ter com elas. Não sei se irá conseguir, podem ser caçadoras de vampiros, Nelsinhos e Daltons.

Possivelmente já estão calejadas das investidas do rapazinho.

As luzes começam a apagar na velha biblioteca, sigo meu caminho, pareço vê-los dobrarem a esquina, um morcego de boina sobrevoa a cidade.

Curitiba não tem medo de vampiros. Acho que elas também não.

Fabio Santiago é poeta e prosador. Publicou os livros Intramurus, Versos magros (compre aqui), Mar de sombras e Cantos temporais. Instagram: @fsantiago006

2 respostas

  1. Querido poeta e escritor, me interesso por tudo o que você escreve, porque é tudo tão novo, o prosaico ganha solenidade, o mistério nos prende, o suspense nos arrebata. Adorei as referências aos autores e leitores, especialmente a referência ao Dawton Trevisan . Essa interlocução entre nosso amado Vampiro de Curitiba, do Dawton. Até pensei se esse morcego pendurado, lendo dois livros ao mesmo tempo,não é o próprio Dawton Trevisan. . Trevisan. Parabéns. Uma delícia sua crônica. Um beijo ,

  2. Querido e grande poeta e escritor, me interesso e leio tudo o que você publica. Gosto e admiro sua escrita. Sempre nova, suspense, mistério, e surpreendentes finais. Adorei as referências a Dawton Trevisan, e cheguei a imaginar que ele era o morcego de asas marrons, lendo dois livros ao mesmo tempo. Parabéns, sua crônica é uma delícia. Um beijo

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