Melvin, depois de sonhos inquietantes, acordou transformado em um imenso escritor de verdade. Não, não, não. Assim não. Então vem, vamos juntos os dois. A noite cai e já se estende pelo céu… Também não dá, parece que alguém já fez isso antes. PRUFROCK! Não dá para usar, vão dizer o mesmo que falaram de minha dissertação de mestrado (que foi a pior já defendida na universidade da província).
Escrevendo na terceira pessoa, o escritor, oficineiro e ex-lacaio do mafioso local Melvin Roberto da Silva buscava encontrar sua própria voz. Puxou o tapete de muita gente na época de reinado absoluto do Don Corleone da província. O sonho de Melvin era se mudar para a edícula do chefão, acordar junto todo dia, fazer seu café, buscar seu jornal e, claro, finalmente tirar do papel o projeto do selo editorial há muito adiado: o Amarilis Blanca.
O jovem e inseguro escritor não tinha, fora o talento, o leque de leitura e conhecimento que pensava ter. Se revoltou contra muita gente que ousou criticar seu trabalho, se aproveitou de cargos de confiança para benefício próprio, assim como contatos no meio editorial do mainstream. Seu primeiro livro, Oinc-Blau, saiu por uma grande editora (o que até hoje é um mistério na cidade) e emplacou alguns títulos na própria editora, como GlubGlubGlubGlubBlá e Nunca fiz um 69, ambos livros de contos.
Melvin transita ainda por uma cena decadente da qual, na verdade, nunca fez parte, mas julga ser seu representante mais profícuo. Escreve orelhas para livros de amigos, faz lives em redes sociais, joga confete em seus pares; claro, desde que tenha algum interesse por baixo da mesa de cartas. Croupier de um cassino que ele mesmo inventou, perde para si próprio toda vez que se olha no espelho em seu teto de vidro.
Seu melhor trabalho, segundo a crítica especializada, não é seu livro mais recente, o Pílulas, cisão e delays, mas aquele que também é considerado seu melhor título de todos os tempos, o .
Há de se lembrar também que faz parte da agremiação Alvos Alvissareiros de Letras Provincianas, instituição que o deixa mais à vontade, principalmente quando veste seu traje de gala, o babador dourado, que serve para proteger sua camisa polo das gotas de Gengibirra e dos farelos do chineque servidos às 17h. Possivelmente o escriba dessas linhas não será mais visto nos meios oficiais da cidade. Crê, o escriba, que amanhã uma cabeça de cavalo será colocada em sua cama na calada da noite.
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Daniel Osiecki nasceu em Curitiba (PR), em 1983. Publicou os livros Atmosfera das grutas (2023), Veste-me em teu labirinto (2021), 27 episódios diante do espelho (2021), Fora de ordem (2021), Trilogia amarga (2019), Morre como em um vórtice de sombra (2019), fellis (2018), Sob o signo da noite (2016) e Abismo (2009).