“Imensa preguiça!”*

(Por Eugênio Vinci de Moraes)

As palavras que lê agora, meu atarefado leitor, minha atarefadíssima leitora, digitam-se aqui mui lentamente. De pantufas, evitam arranhar a tela em que se inscrevem. Algodões, esperam tocar com delicadeza os ouvidos. Esvaziam-se, dão-se à aragem que roça as folhas da aroeira. Ondulam como a água de um lago profundo.

Escolhem-se a si, lutando contra o assanhado cronista. Freiam-lhe o ímpeto de lacrar, de pôr os pingos nos ii, de dar a última palavra. Gotejam, espapaçadas, adiando o fim. Ocupam cada ranhura, cada ruga, cada veio, encontrados pelo caminho. Param a cada pedra, miúda que seja. Desviam. Retornam, se preciso. Encolhem-se até, arremedando frio. Sussurram. Abaixam-se ao zunido das moscas. Ciciam como os insetos.

Bicam a frase aqui e ali. Cutucam-se. Evitam transpirar. Ao menor sinal de cansaço, param e esperam a palavra certa. ( ) Ela não vem. ( ) Dão um tempo. ( ) Aguardam mais um pouco. ( ) Esquecem e tomam novo rumo. Chegar não as seduz. Seguem sem ligar para a ansiedade do autor em dar-lhes ritmo e acabamento. Balançar-se nelas mesmas, nelas mesmas balançar-se. As idas e vindas as movem sem demovê-las.

Carlo Carrà (1881) – Manifestação Intervencionista (Colagem sobre cartão) – Coleção Gianni Mattioli

E quando o cronista as espicaça, viram gatos. Esticam-se, espreguiçam-se, rodam sobre si, amassam pãozinho e voltam a deitar-se. O cronista ilude-se, pois as vê atarem-se em orações, enganchar-se em vírgulas, conjunções e preposições. Mas logo enrodilham-se em si mesmas, enrolando-se, enrolando-o.

Por amor às curvas, fazem-se plumas, rolam em peliças como se palmilhassem um poema. Rejeitam a pressa, dão uma banana aos prazos, afligem o cronista, que pensa em apelar a um texto sobre o tempo, sobre a falta de assunto, sobre a primeira notícia de jornal que cair-lhe na frente.

Em vão. As palavras aninham-se, murmuram, bocejam e adormecem. Sonham-se versos.

* Trecho do poema Gato na garagem, de Cecília Meireles.

Uma resposta

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