A NUDEZ DO OLHAR
por Edson Cruz
Já disse o filósofo que o real só pode ser capturado pelo olho do espírito. O obturador dos sentidos só se realizaria plenamente na reconfiguração entre as imagens capturadas e os significados que lhe são atribuídos e formulados com as palavras.
Por outro lado, como nos alerta Vilém Flusser, “parece não haver quase ou absolutamente nenhum futuro para a escrita”. Para ele, os escritos não seriam o código apropriado para a observação, para a contemplação. As imagens seriam mais apropriadas para isso. No entanto, tanto ele quanto inúmeros outros filósofos, se curvam para a potência da poesia. E mais ainda para a oração – a única instância de significação que estaria acima da articulação original da poesia.
Tanto a fotografia como a poesia são artes da depuração do olhar e do sentir. Artes que exigem o foco e a síntese para a amorosa apreensão do instante, ou melhor, do cósmico que se consagra em um átimo.
O livro que temos em mãos embaralha um pouco tudo isso. Mais do que uma série de fotografias comentadas pelos poemas, instaura-se em Cenas Nuas (de Edner Morelli e Karol Dalecio) um diálogo poético entre a delicadeza das imagens (cenas desprovidas de qualquer ornamento, apenas a nudez encenada) e a poesia (a se descolar das imagens para outros voos semânticos) que nos levam a concluir, em seus melhores momentos, que esculpir com luz e palavras é uma forma de oração. Uma prece que perscruta as ausências e ressignifica a nudez dos corpos, dos ambientes e do próprio existir.
O ambiente é coberto
De ausências (nada mais
Que resquícios de uma história
A se investigar)
A nudez
Vítima
De um signo alheio?
Em geral, as imagens fotográficas são consideradas como índices do mundo, mas neste espaço ficcional onde são acolhidas, sua inserção tensiona a própria ideia de literatura.
Nessa rota, o livro incorpora uma reflexão sobre o olhar, sobre as relações entre texto e imagem, signos e significantes. A resultante é mais que metalinguagem e se configura como a própria “meta da linguagem”. Na fatura dos signos instaurada pelo livro “as montanhas são miragens” e as cenas nuas são a própria poesia em estado físico.
Edson Cruz (Ilhéus, BA) é poeta, crítico e editor do site Musa Rara (www.musarara.com.br).
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Cenas Nuas – Edner Morelli e Karol Dalecio
15×21 cm
56 páginas
ISBN: 978-65-5361-052-1
R$ 39,70 R$ 27,79
Edner Morelli (1978) natural de São Paulo. Formado em Letras e História. Mestre em Literatura e Crítica literária pela PUC-SP. Professor e poeta. Esse é o seu quinto livro de poemas.
Karoline Dalecio (1990), natural de São Paulo, capital, é fotógrafa desde 2017, mas grande entusiasta da arte por toda a vida. Desde muito cedo buscou expressar-se por meio da arte, passando por pintura, artesanato, teatro, dança e circo. Estudou psicologia, mas foi somente em seus estudos fotográficos que encontrou o caminho para unir todas as formas de expressão e de arte que permearam a construção de sua identidade. A parceria que deu origem a este livro teve como ponto de partida a poesia de suas imagens. Para Karoline, a vida é uma poesia acontecendo, e todo instante é um verso.