Alucinação, Recordação e Realidade
Livro de memórias, por princípio e definição, este primeiro romance de Leandro declara seu vínculo com o gênero picaresco logo em suas primeiras linhas, conforme anuncia o narrador memorialista: “Sou picaresco. Andei por aí, fiz e não fiz. O leitor que aquilate”.
Leonardo, anti-herói personificado, perde a mãe aos quatro anos de idade e desconhece o pai. Aos vinte anos, vê-se totalmente só no mundo após a morte da tia alcoólatra que se encarregara de sua criação.
O que importa ressaltar aqui é a liberdade com que o texto borra os limites tradicionais dos distintos gêneros literários e a forma natural como os registros se confundem e se harmonizam para compor um conjunto que amarra a atenção, levando o leitor adiante sem lhe soltar as rédeas.
O viés cronístico presente em Memórias de um melancólico delirante não vive somente das recordações de uma São Paulo dos anos 1980 e 1990, cenário primeiro das aventuras de Leonardo. O autor leva seu personagem às profundezas do Brasil central para cavoucar as histórias de exploração das gentes desfavorecidas pela falta de escrúpulos e pela ganância dos poderosos, histórias de corrupção atrelada à política predatória e da violência a reboque dos insolúveis problemas fundiários que afligem o país. Ao se tornar uma espécie de Kurtz (o inesquecível personagem de O Coração das trevas, de Conrad) do centro-oeste brasileiro, cercado de capangas armados e investido de um poder nascido da arbitrariedade, Leonardo personifica figuras reais da nossa história recente que, protegidos pela impunidade e pela intimidação, fizeram fama e fortuna à custa da miséria e da ignorância das populações.
Cronista das agruras vividas por um Brasil rateado durante a onda desenfreada das privatizações, aturdido pelos planos econômicos que sugaram as finanças populares e corroído pela ruína moral de seus governantes, Leandro Esteves retrata o momento em que as esperanças de um futuro brilhante para o país se despedaçam ante a certeza de uma realidade imutável.
Memórias delirantes, romance cronístico, texto picaresco, realista, jornalístico, não importa. A mistura é consistente. Trata-se de ficção, de ficção de ótima qualidade.
Edmar Monteiro Filho
Um parceria da editora Kotter e Letra Selvagem
ISBN 978-65-5361-001-9 (Kotter Editorial)
ISBN 978-65-89841-02-9 (Letra Selvagem)
Número de páginas: 256
R$ 64,70 R$ 45,29
Leandro Carlos Esteves
Nasceu na pequena cidade de Lins, no oeste do Estado de São Paulo, em 19.11.1960. Em 1977, vem para São Paulo, onde se forma em Jornalismo, pela PUC (Pontifícia Universidade Católica). Cursa a Faculdade de História, com ênfase em métodos e pesquisa histórica, Antiga, Medieval e História do Brasil tanto na PUC quanto na Universidade de São Paulo (USP) onde também estudou filosofia.
Numa São Paulo conflagrada contra a ditadura instalada no Brasil em 1964, que compeliu estudantes, intelectuais e trabalhadores a lutarem contra a opressão e a miséria implantadas pelo regime militar, o jovem “Leo” fez seu “batismo de fogo” ou sua “educação (nada) sentimental”, ao lado dos oprimidos.
Nesse período, foi repórter e editor na imprensa sindical, e participou na elaboração do livro História do sindicato dos metalúrgicos de Santo André. Mais tarde, trabalhou como setorista de informática e tecnologia no “Diário do Comércio e Indústria” (DCI). Realizou matérias, como repórter freelancer, para vários órgãos de imprensa. Ainda foi assessor de comunicação e imprensa de diversas empresas nacionais e estrangeiras da área de tecnologia e telecomunicações, tendo executado centenas de traduções técnicas.
Trabalhou como repórter, editor e assessor de comunicação e imprensa, pesquisa e geração de conteúdo para eventos da Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN), e editava a “Revista Ciab Febraban”, especializada em tecnologia corporativa e finanças, experiência que lhe descortinou o abstrato e obscuro mundo dos negócios.
Mais recentemente, como pesquisador na novela Órfãos da terra (da Rede Globo de Televisão), ajudou a arrebatar prêmios internacionais, incluindo o Emmy, considerado o mais importante na modalidade. Colaborou como roteirista e pesquisador para várias obras de cinema e teatro. Em 2016, lançou o livro de contos Anhangaçu – nada será como antes (Dobradura Editorial, São Paulo, SP), a respeito do qual Paulo Lins, autor do romance Cidade de Deus, escreveu: “Esse é um dos melhores livros que já li. (…) pela habilidade da escrita do autor, pelo conhecimento de causa, pela sua sinceridade artística, pela influência de grandes autores, pelo diálogo aberto com a tradição e com a produção atual.”