Escrito sob forte efeito de um transtorno mental, Um mal-estar fundamental guarda as marcas do período em que vivemos: a cacofonia histérica da tecnologia, o excesso de opiniões supérfluas e obrigatórias, mas, sobretudo, o adoecimento geral de uma geração que se encontra em pânico: desorientada pelo julgamento alheio e tentando achar algum prazer em exposições baratas.
Embora o cenário do romance seja o gueto borbulhando de problemas que toda região desestruturada pode vir a ter, não é aqui que a história começa, e sim no Brejo. O que o livro mais evoca é o processo de formação de um povo; desde a sua origem na lama, até o seu desenvolvimento para chegar à “cidade satélite” onde se passa a história. Jandembro Galarrala, o narrador picaresco, com a sua implacabilidade, seu humor escatológico e feroz, sua criação de atmosfera densa, decadente, marginal, sua obsessão com vírgulas depois de cada palavra, faz com que Um mal-estar fundamental seja, indubitavelmente, um produto do seu tempo.
Porém é mais do que isso. Trata-se de uma tentativa ousada de construir um romance complexo e ambicioso com base na matéria-prima cultural que as redes sociais, os serviços de streaming e o cinema vêm despejando compulsivamente com cada vez mais eficiência de forma a sobrecarregar todos os nossos sentidos.
O enredo é uma sucessão de peripécias absurdas a desenrolar-se no ritmo intenso de um adicto em alguma substância estimulante; muitos dos incontáveis personagens são estereotipados e caricaturais; a voz do narrador, além de não ser nem um pouco confiável, é irônica, maldosa, sempre a perder-se em digressões dentro de digressões.
Num clima ao mesmo tempo de pesadelo e comédia, uma sucessão de acontecimentos se desenrola em um ritmo vertiginoso. Narrativa pós-modernista que proporciona o prazer da imersão total em um universo plural – abordando assuntos polêmicos como: sexualidade, religião, pornografia, vícios, solidão, tristeza, suicídio, política, espiritismo, racismo, misticismo, feminismo, machismo, bizarrices existenciais, etc.
É inegável a ambição de Álamo Enfant ao escrever um livro com estas dimensões. No entanto, ao mesmo tempo, como poderia retratar todo o volume histérico de ruídos e influências em que vivemos nos tempos atuais de outra maneira?
Um mal-estar fundamental é indefinível, mas, se fosse possível, seria uma imensa imagem do século XXI na parede de nossas casas: Álamo Enfant, através de uma prosa virulenta e de uma ferocidade sem tamanho, descreve de maneira atormentada a gênese de um povo; a origem de uma sociedade que se desenvolve no meio de doenças e conflitos, em paralelo com uma ambição oriunda de sonhos descabidos.
É tal sua força poética que, em face do grotesco redemoinho de palavras que se forma, o leitor sente-se testemunhando toda a ascensão de uma sociedade imensamente parecida com a nossa. Enriquecida pelo relato ágil de uma pena muito arguta, a qual tonifica o texto com todos os barulhos e estímulos com os quais vivemos nos tempos atuais.
E, no final das contas, o leitor saberá que Um Mal-estar Fundamental é um anti-romance no sentido de que foge do silêncio da narrativa, bombardeando para todos os lados os sentidos de quem o lê.
1448 páginas
17X24 cm
ISBN 978-65-5361-212-9
R$ 374,70 R$ 262,29