Quando decidi ressuscitar Johnny Wadd, o detetive noir interpretado pelo astro pornô John Holmes, imaginei que ele tivesse morrido junto com o ator, em 1988. Engano meu. Outra pessoa também havia resolvido levar Wadd para o universo das letras: ninguém menos que Bob Chinn, o criador do personagem, que publicou um livro chamado Flesh of The Lotus em 2013.
Como escritor, Chinn é um grande cineasta, mas a parte mais interessante do livro não é a trama (bem chatinha, por sinal), e sim a introdução (no pun intended), na qual o diretor conta como criou o detetive.
“O personagem Johnny Wadd foi criado por acaso há cerca de 40 anos”, conta Chinn, acrescentando: “O evento ocorreu depois que um cara alto e magrelo chamado John Curtis Holmes entrou em meu escritório procurando trabalho. Naquela época, eu havia saído há pouco tempo da escola de cinema e estava trabalhando na única área que me acolheu: o ramo do cinema adulto… Os filmes eram extremamente baratos, com uma verba de US$ 750,00… Quando Holmes apareceu pedindo emprego, meu sócio, Alain Patrick, e eu trabalhávamos no segundo andar de um prédio na Western Avenue, perto do Cinema Sunset.”
Chinn conta que John estava disposto a fazer qualquer trabalho no estúdio, mas que eles não precisavam de ninguém. Só então Holmes disse que também era (bem…) “ator”. Alain foi então entrevistá-lo e, pouco tempo depois, entrou na sala de Chinn dizendo: “Bob, você tem que ver o pau desse cara.” Chinn respondeu que essa era a última coisa que ele queria fazer, mas Alain insistiu. Imediatamente após ceder aos apelos do parceiro, Chinn percebeu que estava diante de uma estrela — ou, pelo menos, de 45 centímetros de uma estrela.
“Eu sempre quis fazer um filme com uma pegada noir, e o aparecimento de Holmes me pareceu uma ótima oportunidade para tentar. John faria um detetive com um pau enorme (no original, “John would play a private dick with a big dick”. Poetry is what gets lost…).
O filme Johnny Wadd foi lançado sem grande alarde, mas, em breve, os donos de cinema de todo o país estavam pedindo novos filmes com Wadd.
“Ser conhecido por ter criado um detetive com um pau enorme é, no mínimo, uma distinção duvidosa – mas, ainda assim, nunca haveria um Johnny Wadd se um cara magrelo chamado John Holmes não tivesse entrado no meu escritório naquele dia, em 1970. E John Holmes não seria uma lenda sem um personagem chamado Johnny Wadd. O nome foi, ao mesmo tempo, uma bênção e uma maldição para John. Ele o transformou em uma estrela mundial, mas, infelizmente, também o eclipsou, fazendo com que ele fosse conhecido apenas pelo nome do personagem”, conclui Chinn.
Esses livros (o primeiro, Johnny Wadd e a música silenciosa do Rancho Spahn, e este atual, Johnny Wadd e o caso do origami de pênis) tentam dar a Wadd a legitimidade literária que Chinn nunca alcançou. Suas falas são dignas de Raymond Chandler, Dashiell Hammett e James M. Cain – entre outros –, ainda que isso ocorra porque essas falas foram integralmente plagiadas.
Como teria dito Picasso: “Artistas imitam, grandes artistas roubam” (ou pode ser que Picasso tenha roubado a frase de alguém – ninguém sabe).
Ao me apropriar das falas dos mestres do noir e do personagem de Chinn, quero trazer uma dignidade póstuma a Johnny Wadd – além de me mostrar um escritor corajoso, alheio ao desprezo dos críticos e à permanente ameaça de uma ação por copyright infringement que, como a espada de Dâmocles, oscila o tempo todo sobre minha cabeça.
Curiosamente, os origamistas de pênis existem de verdade: a arte do Puppetry of the Penis nasceu na Austrália e foi criada por Richard Sutherland e Brett Hartin. O show deles consiste em exibições da dupla que, por 50 minutos – com o auxílio luxuoso de um telão (que talvez fosse dispensável se Holmes fizesse parte da trupe) – produzem com seus órgãos imitações de windsurfistas, da Torre Eiffel, de um bumerangue e de uma tartaruga, entre outros.
Como diz a Wikipédia (que eu, assim como Michel Houellebecq, também plagio despudoradamente): “Em 1996, o comediante australiano Simon Morley criou um calendário de arte que exibia imagens em close de doze ‘instalações’ de pênis. O conceito foi baseado na criação de uma série de truques de festa por Morley e seu irmão mais novo, envolvendo várias contorções de sua genitália. Para comercializar os calendários, Morley desenvolveu uma apresentação ao vivo. A primeira demonstração de Morley, realizada em uma garagem em 1997, foi bem recebida pelo público e o encorajou a buscar a criação de um espetáculo no qual pudesse mostrar os truques. Morley originalmente pretendia recrutar seu irmão para atuar ao lado dele; no entanto, ele já havia se comprometido com um papel no programa de TV australiano Neighbours. Morley recrutou David “Friendy” Friend, um residente de Melbourne que já havia administrado uma pequena empresa de entretenimento que atendia festas de despedida de solteira, como seu parceiro de palco, e juntos desenvolveram uma rotina de comédia baseada no conceito original de Morley. O título do calendário, Puppetry of the Penis, serviu de inspiração para o título do espetáculo performático subsequente, que apresentava um repertório de contorções semelhantes.”
Certas loucuras – definitivamente – não podem ser inventadas.
Renzo Mora
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Johnny Wadd e o caso do origami de pênis
(Previsão: segunda quinzena de janeiro)
13×19
Aprox. 109 págs.
16 ilustrações
ISBN: em breve
R$ 49,70 R$ 34,79
Disponível por encomenda
Renzo Mora foi professor de Comunicação na FAAP e publicou em veículos como Playboy, Cult e VIP. É autor de Cinema Falado, Sinatra: o homem e a música, Fica Frio: uma breve história do cool e Johnny Wadd e a música silenciosa do Rancho Sphan, entre outros. Foto: Nicholas Guimarães
Rodrigo Geraldi é cartunista, quadrinista e ilustrador. Sua carreira começou precocemente como designer peniano em cadeiras escolares. Acredita, se for bem sincero (e, se Rodrigo tem algo beirando uma crença ética, é que mentir a respeito de você mesmo numa biografia é totalmente errado), que possuir um carro esportivo é uma forma de compensar um pênis pequeno. Além de cuidar do seu filho, faz de tudo um pouco na Editora Brasa e dirige um Porsche conversível.