Podemos nos indagar: ainda há tempo, no mundo contemporâneo, para uma arte que vai na contramão dos espetáculos rápidos e fugazes, da não comunicação feita pelo mundo eletrônico, de uma técnica que se sobrepõe ao humano? Esta obra poética é resposta para a angústia que nos sufoca: enquanto houver aqueles que resistem e elaboram sua criação no tempo da poiesis, este tempo ausente de qualquer cronômetro, teremos a possibilidade de usufruir daquilo que salvaguarda o ser, preservando os restos humanos que ainda nos suportam. Este olhar de poesia, fruto de um sentir estético, conduz quem dele usufrui a uma alteridade e inevitavelmente a uma ética. A ética como poesia primeira, para recordarmos Levinas e sua ética como filosofia primeira. O compromisso com o outro, o valor de outrem, a emoção derramada em direção a um outro que responde, estou aqui: “cada traço, uma história\ muitas\ feito mão de destinos\ …\ outras infindáveis\ linhas da vida”. Linhas da vida, linhas do ser que caminham de ser a ser, em uma poética generosa porque geradora de vida.
Júlio Parreira
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A luz e a escuridão são metáforas usualmente chamadas para tentarmos lidar com nossa experiência mental – do signo visual da lâmpada acesa para indiciar uma ideia surgindo ao verso de Waly Salomão, que recorreu ao cinema, para definir a memória: “é uma ilha de edição”. A primeira impressão deste livro é a que vem codificada na imagem do título: uma sequência de versos, que oscilam, ora parecendo mais opacos, ora nos trazendo o cintilar de uma sensibilidade ímpar. “Do interior, são as águas que cantam/ e retornam/ redemunhos/ Entrementes, não há sereias/ só a luz do dia/ de certo dia/ no fundo que foi”. Da transparência da água ao turvo do movimento do redemunho, num movimento em que sobressai um canto que é luz de um dia, indecidido, mas registrado no corpo, acontecido. O duplo da imagem e do canto, ou do canto que, lembrando, imagina, parece organizar a construção de cada passo desse livro, em que um novo poema convoca paisagens e cores para retomar aos mistérios da linguagem, à sintaxe vibrátil, móvel, aos que sucede o nome. O livro se encontra divido em duas partes: a primeira, longa série poética, que explora essa dinâmica entre cidades, pedras, cores e sons articulados em linguagem. Na segunda parte, os diversos poemas que compõem “as outras alumiações”, algumas referências poéticas de Nádia Barbosa evidenciam as linhas constitutivas de sua arte, seja nas referências mais clássicas (“Mas o outro,/ poeta-cego,/ em regozijo ao apelo do Belo,/ vagueou sobre a música das palavras/ imagens/ metáforas/ iluminadas”), seja no diálogo com Dora Ferreira da Silva (“linguagem sem voz/ fragmentos de coisas extintas/ por vezes, nunca vividas/ a dizer o indizível/ e nesse, todo nu vê-se,/ liga de prata e mercúrio/ imponderável murmúrio/ em inesperado sopro,/ extremo milagre das coisas”). A procura da poesia deste livro está nesse gesto de tatear da luz, de investigação do pensamento que vive o brilho do espanto.
Lucas Matos (Poeta, ator e professor de língua e literatura)
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Lumes de memórias e outras alumiações – Nádia Barbosa
100 páginas
15X21 cm
ISBN 978-65-5361-225-9
R$ 49,70 R$ 34,79
Nádia Barbosa nasceu na Amazônia, em Belém do Pará, vive no Rio de Janeiro, desde 1984. É poeta, historiadora, mestra em Literatura Brasileira e Teorias da Literatura e doutora em Literatura Comparada pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Publicou, Meio–Dia. Poemas (2009) e Cartografia Imaginal (2021). Vários de seus poemas foram incluídos em diversas antologias nacionais e internacionais.