Não o amor, mas seus arredores tem como epígrafe Todas as cartas de amor de Fernando Pessoa e prossegue com um breve ensaio sobre o amor cingido pelo viés filosófico/psicanalítico. O amor nos poemas tenta apreender notas de um cheiro no rastro… do amante perto ou distante, como se perscrutasse o escondido na sombra, na réstia, no escuro… na falta. Falar do amor é tecer linhas, fios, teias, tramas… urdir trilhos para desejo, paixão… um trem de coisas a desfilar silenciosamente… É abrir veredas para silêncios e ruídos no trajeto por onde transitam solidão, incompletude, vazio… e a sinfonia da ausência. E no itinerário perder-se no paraíso das alegrias fugidias. Enfim, descobrir o esconderijo do mapa perdido e às vistas, é arriscar-se na trajetória, e fugir do vertiginoso lugar comum.
Dizer do já dito significa perseguir nova linguagem para as figuras de estilos, buscar tecidos raros, tintas outras, papéis, significantes para vestir cenários, paisagens, tramas, enredos, personagens… e tracejar linhas, colorir o branco, o vazio, atento ao seu eco redobrando o inaudível, e então urdir de motivos novos o bordado antigo.
***
No livro Não o amor, mas os arredores a poesia margeia uma carta de amor sem sê-lo e também sem selo. Acanhamento diante da constatação pessoana de que todas as cartas de amor são ridículas? Duvido. É o oitavo livro da escritora Andrea Villa-Lobos, e o primeiro que ela assina com o nome de mulher. O estilo seguro nos conduz, com o melhor dos ritmos, pelas fibras sumarentas dos sentidos e das teias finas da ideia: confundem-se o carnal, o intimista e o universal. A sensibilidade é afinada como tem de ser essa ciência de perceber a relação estreita que há entre as folhas das palmeiras e as madeixas femininas: é um tal de arrumar madeixas /pisar de saltos, /dar de ombros… A melancolia, quando dá as caras, é pungente: Há algo em nós /que desde a superfície /ao íntimo não se gosta […] Um humor nos recolhe /entre páginas de um livro /feito uma descorada rosa. A selvageria do amor também tem seu tempo e seu tom, vai como que se produzindo por ondas ou – imagem sugestiva – por arquejos: à beira do roçado /no capim, no mato /por trás feito cavalo /e outros bichos tarados. Trata-se de uma obra em que cintilam imagens tangentes ao amor e ao fazer poético. E a erudição, muito presente, parece uma garantia permanente de que há mais cintilações que uma leitura única pode alcançar.
Vinícius Samuel
***
Não o amor, mas os arredores-Andrea Villa-Lobos
132 páginas
16X23 cm
ISBN 9786553612006
R$ 59,70 R$ 41,79
Andrea Vila-Lobos Araujo Gomes é graduada em Psicologia, Licenciatura Plena em Ciências Agrícolas, e Doutora em agronomia. Vive em Aracaju, Professora Titular do Instituto Federal de Sergipe. A iniciação na literatura ocorreu no início desse século, antes do processo de transição de gênero, publicando obras com o nome de Arão A. Gomes. A trajetória da escritora se deu com a participação em um concurso literário no Estado de Rondônia, recebendo menção honrosa, com o conto, A carta. Lançou o primeiro livro, em 2005, Registros à meia voz (contos), no ano seguinte Do fetiche ao afeto (romance). Em 2010, foi finalista do Prêmio literário Santos Souza, em Sergipe. Seus livros de poesia são O Diário de um sedutor, 2014 (adaptação da prosa à poesia de livro de mesmo nome de Sören Kierkegaard), Do amor e outros registros, 2016, Réstia… um movimento na penumbra, 2020 (fruto de uma leitura do Livro do Desassossego, poemas inspirados em trechos), Onde cravam os dentes, 2021 (os dois últimos publicados em Portugal pelas Editoras Glaciar e Primeiro Capítulo respectivamente) e Recortes do vazio, 2021 pela Editora Penalux.