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A naturalidade e delicadeza do discurso de André Dick, que flui à flor da pele em tom apaziguado, não deixam de revelar o inusitado a cada verso, “Como uma catarata / Do Niágara / No bebedouro”.
Cartola em Lewis Carroll, a enciclopédia chinesa referida no ensaio de Borges, citado por Foucault na introdução de As palavras e as coisas, o voo de Huidobro em Altazor, um tom da primeira fase de João Cabral, um aroma de Caeiro — tudo isso está e não está na poética muito própria de André Dick — surpresa sem susto (“o coração de flor amena / a lágrima que não esquenta”), onde os obstáculos vão se tornando o próprio chão que pisamos, entre assombrados e sombreados.
O que está Neste momento vai se distanciando, no decorrer do livro, em voos de tempos e espaços (“paisagem colidindo / com dias futuros”) misturados — a casa dentro do corpo, a chuva dentro da flor, o carneiro na lã do lobo, o eucalipto dizendo hortelã — da Infância ao Caos, da Casa em mudança ao Mundo Mundo — para retornar ao chão (“No meio do caminho estar / Para finalmente chegar aqui”), repousando a memória no tempo presente. No tom, na cor, no aprendizado das sensações voltando a ser o que são (“O sol no sol”), “para se encontrar de novo”.
Arnaldo Antunes
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“Neste momento / Em que tudo / Está passando” começa o poema que abre esse livro. Ele, assim como aqueles que o seguem, nos lembra que somos eventos de duração desconhecida, que passaremos como passa agora esse momento. Como passa esse poema.
O poema enquanto transição de estados, como trajeto, como vir a ser. Não na acepção tradicional, clichê até, de que se espera que o texto na página cristalize o tempo, mas sim no escrito como um acontecido; como um acontecendo.
“O ano ainda não começou na metade do ano”
Neste momento opera por vezes como crônica poética de um annus horribilis, por vezes como olhar sobre uma pequena coleção de afetos, por vezes como um ensaio prático sobre animais e suas jaulas, mas opera sempre como a estrada, como o andarilho e como a viagem do fazer poético.
“Você está ouvindo o meu pulso”
Neste livro as borboletas carregam ainda em si suas larvas, os bombeiros são por vezes incendiários, e árvores brotam de epidermes. Neste livro painéis explicam o que é pra fazer quando tudo estiver normalizado, enquanto paisagens colidem com dias futuros, e vogais soam por artérias coronárias. Aqui tudo é vértice, nenhuma palavra é objeto e todas são movimento, e começos e fins se interpolam sem necessariamente precisarem de meios.
“Cada frase ergue um dia claro”
André Dick nos apresenta com Neste momento uma obra inconformada, urgentemente amorosa do modo que só a boa poesia é capaz de ser. Dentro do leitor ela se torna um evento de duração desconhecida. Como todos nós, como o poema.
Matias Mariani
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Total de páginas: 140
Formato: 15X21 cm
ISBN: 9786553610453
R$ 44,70 R$ 31,29
André Dick nasceu em Porto Alegre (RS), em 1976. É poeta, crítico literário e doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Publicou os livros de poesia Grafias, Papéis de parede e Calendário, assim como a coletânea de traduções Poesias de Mallarmé. Também organizou Signâncias: reflexões sobre Haroldo de Campos e A linha que nunca termina: pensando Paulo Leminski, este com Fabiano Calixto. Editor do site Cinematographe.