O pensamento de Nietzsche é deveras seletivo. Na lida com ele, é frequente a dificuldade de compatibilizar o impacto da leitura com as exigências da teoria, de modo a fruir suas excepcionais qualidades literárias sem perder de vista o quanto sua radicalidade é filosoficamente consequente e afim da verdade.
No livro que você tem em mãos, o enfrentamento desse desafio oferece uma versão primorosa da feição de conjunto da obra sob exame. O segredo dessa autêntica decifração, ao mesmo tempo completa e acessível, está na definição do ponto de ataque. Pois a retomada da questão da liberdade em sede extramoral, aqui efetuada, dá conta de iluminar todo o entorno, apresentando as condições sob as quais as lindas novidades criadas pelo filósofo podem nos estimular a pensar e viver bem. Mais notável é que tal resultado foi alcançado sem negligenciar o diálogo atento com a pesquisa erudita contemporânea, à qual ele se integra com destaque.
Claro, não se trata da exposição de ideias de fácil assimilação. A superação da mitologia da liberdade solicita uma reconfiguração geral dos termos em que tradições centrais da nossa cultura aprisionaram o tema. Seja como for, o leitor está convidado a tornar sua a formulação de Alice Medrado, segundo quem o processo de exercer-se livre envolve “uma disposição instintual que sustenta um valor que engendra uma crença que orienta uma prática”.
Um feito excelente assim prova, por si, o que afirma. Colheita de um cultivo cuidadoso, este estudo, que já nasce clássico, assinala exemplarmente uma possibilidade da livre experimentação com os próprios afetos no sentido de sua intensificação. Só fala com propriedade da liberdade quem conseguiu incorporá-la—eis o caso presente, que tanto recomenda este livro.
Olímpio Pimenta (UFOP)
A ideia de liberdade povoa o senso comum, e é uma peça central das filosofias morais. Depois de Nietzsche, pode-se pensar a liberdade não mais como uma coisa, ou um estado, mas como uma ação promovida por um instinto. É a partir dessa interpretação que percorremos as questões-chave da obra publicada pelo filósofo.
O interesse pela filosofia nietzschiana sobreviveu ao culto individualista do século 20 e parece ganhar um novo fôlego no século 21, talvez devido à necessidade sentida de se elaborar formas não-morais de cultura comunitária. No campo acadêmico, sua obra continua sendo uma fonte de inspiração e desafios interpretativos, já que traz provocações e alternativas aos ideais de liberdade fundados na noção de livre-arbítrio. A radicalidade de sua crítica aos valores morais, sua denúncia da cultura da punição, combinadas a um tipo de realismo político e uma sofisticada elaboração filosófica sobre as relações de poder – e ainda, sua insistência na possibilidade de liberdade em um mundo pós-niilista, fazem com que a obra de Nietzsche seja vista ora como um ponto alto da literatura filosófica ocidental, ora como um enigma e um incômodo.
Nietzsche – Liberdade e imoralismo, de Alice Medrado
208 páginas
Formato: 16×23
ISBN: 978-65-5361-253-2
R$ 69,70 R$ 48,79
Alice Parrela Medrado é professora do departamento de Filosofia da UNIMONTES e doutora em Filosofia pela FAFICH/UFMG. Este livro é uma versão da sua tese de doutorado, vencedora do prêmio de melhor tese do ano 2021 pelo PPGFil da FAFICH/UFMG. É também o resultado de quase 20 anos dedicados à pesquisa da obra de Nietzsche. Sem contar os anos de adolescência, quando o filósofo já dividia espaço com os discos de rock e os livros de poesia.