As flores presentes neste que é o primeiro livro de contos para público não infantil escrito por Denise Miotto Mazocco são daquelas que uma pá de poetas modernos consagraram. Que podem até simbolizar alguma esperança mínima, um riso, um encanto, enfim, mas que nunca deixam de fazer aparecer também as contradições, dores, vergonhas, tropeços e tormentos do mundo.
Essas flores animam coisas que assumimos inanimadas. Uma mesa, por exemplo, pode ser a personagem de um monólogo sensorial e divertido. Um soldadinho de chumbo que prende janelas antigas pode ser o cúmplice num plano infantil.
Elas, as flores, são em verdade a fissura para o dado imediato de que nenhuma subjetividade pode se esquivar. Elas dizem: o mundo é bruto. Cheio de dores, mas também bonito e ao mesmo tempo.
A escrita depurada da autora esgarça segredos esdrúxulos como quem recolhe matéria-prima para um conto suave. Pura dissimulação, artifício. Pois a brecha aberta nos símbolos animados e inanimados dos contos nos reservam corpos políticos, sensíveis, sofridos, hipócritas, delicados, solidários… tudo no famoso jardim das delícias que a autora pinta sem monumentalizar, pelo contrário, chamando para o patético, para ressignificar a própria negatividade desta palavra.
Com essa consciência, Denise nos deixa um livro potente de narrativas em primeira, terceira e até segunda pessoas. É com amplo repertório de recursos que bons autores nos inscrevem em cenas espessas, cientes de que a literatura não cria símbolos ou alegorias para representar, antes, fazem isso para recolher a poesia possível num mundo precário. Drummond inventou um elefante para dizer isso. Denise faz beijar uma janela.
Cristiano de Sales
Outono 2021
ISBN: 978-65-89624-08-0
96 pág.
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Por Quem os Ipês Sofrem – Denise Mazocco
O tema da memória prevalece em vários contos de Por quem os ipês sofrem. A memória da infância, a memória das vivências, a memória construída, a memória das coisas, porque também as coisas podem ser passíveis de memórias, talvez pela longa convivência com humanos, pegaram esse “mal costume”. Da profunda sensibilidade em perceber os sofrimentos, até dos ipês, a autora vai tecendo e tocando o além da superfície das pessoas, desdobrando seus sentimentos mais caros, suas solidões mais profundas, seus pecados cotidianos, suas memórias perturbadoras. O espaço é o urbano: ruas, moradias, escritórios, hospitais, praças. O olhar do narrador, no entanto, desvia-nos para as flores, para os ipês floridos, insistindo em trazer algum alento aos tristes seres humanos. Ainda, há lugar para o inusitado, como em Drosophila melanogaster, O contador de gramas e Catador, revelando um universo kafkiano de firme domínio. Beleza, sensibilidade, transgressão, solidão, absurdo, ansiedade. Ansiedades que desencadeiam imagens do belo, mesmo que o das flores esmagadas. Por quem sofrem os ipês, afinal? Como nos ensinou Hemingway, eles sofrem por nós.
Edna Polese
Denise Mazocco
Denise Miotto Mazocco possui graduação em Letras e História. Recentemente, concluiu o doutorado em Estudos Linguísticos (UFPR), desenvolvendo pesquisa sobre tempo e Aquisição de Linguagem. A publicação de textos literários começou aos poucos, com o blog prosadomingueira.wordpress.com