Profundamente

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Impossível não associar o título do romance profundamente de rui r. ao poema homônimo de Manuel Bandeira minimamente na intenção de nomear os desaparecidos que estavam tão vivos aos nossos olhos ainda há pouco.

No íntimo confinamento de um armário, cercadas pela lama e pelo silêncio pós-desastre da barragem de Brumadinho, Mariana, ou qualquer outra, enigmáticas e auto idênticas, Manõ e Obaî — comadres, vítimas dos mesmos homens, amantes? — vivem uma experiência-limite.

Soterradas em espaço claustrofóbico, Manõ e Obaî estão também aprisionadas num emaranhado de significantes que nunca chegam a um significado pleno. Seria possível encontrar algum vestígio de verdade no mundo? Alguma possibilidade de entendimento? Seus diálogos, retorcidos, fragmentados e circulares, passeiam pelo vazio da comunicação e ecoam a incapacidade de articulação de um sentido que pudesse dar conta da realidade esmagadora: as palavras falham, o desejo distorce, não há ação e a relação entre as mulheres oscila entre a intimidade e o abismo da indiferença.

Nesse cenário, a lama que as cerca é mais do que desastre físico gerado pela ruptura da barragem — é imagem grotesca e materialização dos laços sociais brasileiros dissolvidos.  Mais, a catástrofe externa reforça a catástrofe interna, até que uma mulher faça da outra uma experiência contraditória em que o colapso de suas vidas vai plasmado no caos da existência. Contudo, o sofrimento das duas não ganha significado, e, conscientes de que não há retorno, as desvalidas insistem em nos mostrar que o que importa ainda é sobreviver, nem que seja apegadas a ninharias, ruínas de histórias resgatadas por uma memória bruxuleante, restos materiais e objetos que vão sendo encontrados no escuro do sepulcro/armário/túmulo; tudo tão inútil quanto seus diálogos.

Manõ, perdida na repetição de um trauma que não pode ser nomeado, e Obaî, procurando sentido onde ele se desmancha, encarnam a divisão do sujeito na chamada pós-modernidade ao serem flagradas presas entre o desejo impossível e a tentativa desesperada de preencher a falta. Diante desse impasse, inevitável pensar se profundamente seria uma narrativa antitrágica. Talvez o fosse menos pelo número de barragens a ponto de romper num país ingovernável, e mais porque o tecido social brasileiro não suportaria um tipo de escrita em extinção há um bom tempo.

Todavia, como negar um mínimo de verdade à repetida manchete, tragédia de Mariana, tragédia de Brumadinho, que nos espreita há anos Esse armário soterrado por milhões de metros cúbicos de lama teria todos os elementos para ser palco de uma encenação trágica, onde as duas mulheres enfrentariam o vazio central de suas vidas. Porém, como duas mulheres tão fragmentadas seriam minimamente coerentes para portar o significado do trágico? Manõ e Obaî não podem nem mesmo recordar o que lhes aconteceu. Então, o sofrimento é só demora, enquanto a incessante busca pela verdade dissolve as personagens num mar de angústia.

Por fim, esta obra de rui r. oferece ao leitor e à leitora uma reflexão perturbadora sobre o trauma, o desejo e a impotência humana diante de desastres que vão além do mundo físico, tensionando as estruturas psíquicas e sociais que sustentam uma subjetividade frágil num mundo à beira do colapso. Manõ e Obaî, em última instância, caro leitor, cara leitora, estão no lugar de brasileiros e brasileiras que sempre habitaram um país abaixo da linha do trágico e esta é a vantagem de ter o fracasso como ponto de partida.

Claudio Sousa

profundamente, de rui r.
(Previsão de impressão: primeira quinzena de abril)

16×23
138 págs.
ISBN: 978-65-5361-366-9

R$ 54,70 R$ 38,29

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Rui R. é um escritor sobre o qual não se sabe nada. Publicou escato, pela editora 7 Letras, em 2021. Leiamos o livro.