Se em fellis assistimos ao confronto do poeta com a forma de sua própria poesia e em Morre como em um vórtice de sombra sua luta exasperada ocorre contra um inimigo demasiadamente íntimo, seu reflexo romântico e de verve suicida, agora, nestes 27 episódios diante do espelho, Daniel Osiecki encerra a sua trilogia amarga com um mergulho no tempo, vinculando o seu combate poético ao mal estar intempestivo da história.
Flertando outra vez com os recursos da dramaturgia, neste livro, o autor nos entrega a saga vertiginosa de um operário das palavras acuado pelos podres poderes que formam nossa inglória pátria: por um momento, o verniz da justiça parece oferecer alguma saída ao artista – este personagem kafkiano cujo processo sequer desvela qual seja a sua contraparte de acusação –, mas não vai muito para que ele se dê conta do jogo de espelhos em que parece ter sido abandonado e deambula ao longo dos dias. No limiar da luta, seu inimigo se revela como realmente é: em sua total incongruência com qualquer outra linguagem que não a do porrete.
Daí que a coloração destes 27 episódios seja a do sangue de todos os fodidos, daqueles a quem o poeta se põe deliberadamente ao lado, para marchar. Ainda que os seus versos pareçam dispensáveis aos que com ele cruzam no arrabalde da província, ainda que a sua luta pareça vã aos que carregam a urgência de botar o pão na mesa, ainda que os poderes que lhe perscrutam sejam inexoráveis como o vento. Afinal, do métier de um verdadeiro poeta, espera-se ao menos que exista, como aqui, algo deste compromisso utópico com as coisas impossíveis.
Marco Aurélio de Souza
Verão de 2021
ISBN: 978-65-86526-91-2
216 pag.
Acesse nosso canal no Youtube: Kotter Tv
R$ 74,70 R$ 52,29
Ao chegar em minhas mãos mais um livro de poesia (pelo menos é esse o gênero informado na ficha catalográfica), me veio também à cabeça a seguinte questão (a parafrasear Brecht): O que há mesmo para ser cantado em tempos tão sombrios? Sem uma resposta minimamente satisfatória de minha parte, fui ver o que encontrava neste último volume da chamada Trilogia amarga, de Daniel Osiecki. Por outro lado, é preciso reconhecer, já tendo lido os títulos anteriores (fellis e Morre como em um vórtice de sombra), eu estava bastante curioso em saber como se encerraria este pequeno conjunto de obras produzido pelo autor. Comecei, então, a leitura de “27 episódios diante do espelho”, que já de início parecia avisar: Ao entrar, deixe suas esperanças do lado de fora, pois aqui não haverá Virgílio a guiar Dante pelo inferno, muito menos a guiar você, leitor […]
Daniel Osiecki
Daniel Mascarenhas Osiecki nasceu em Curitiba, em 1983. Escritor e editor, publicou os livros Abismo (2009), Sob o signo da noite (2016), fellis (2018), Morre como em um vórtice de sombra (2019), Trilogia Amarga (2019) e Fora de ordem (2020). É editor-chefe da Revista TXT. Mestre em Teoria Literária e organizador do sarau-coletivo Vespeiro – vozes literárias.