Este livro, falsamente vendido como de Preceitos, é de poemas – em verdade nada líricos, além do que, muito desossados: estão fadados a serem o que são, prisioneiros de uma escolha, a de pensá-los como preceitos, máximas poéticas que, por isso, abolem o lirismo e se assemelham a grafitos. Talvez funcionem como a tentativa de uma saída ao lugar-comum em que se tornou a expressão poética contemporânea, tributária cordata e senil de modelos asfixiantes ou enredada pela fantasia infantil do ego e que, por isso, não encontra saídas possíveis nesse deserto povoado de miragens e olhares idealizados e românticos.
Como poemas, podem, como ideia e com ampla liberdade formal, se alinharem na tradição dos dísticos, que remonta aos gregos e romanos, sem a preocupação de rígida métrica como lhes era característico, o que os aproxima da prática existente nas literaturas modernas, em que há liberdade formal, podendo os versos ser rimados ou não, com o mesmo número de sílabas ou não, como observa Massaud Moisés em seu Dicionário de Termos Literários. O mesmo autor caracteriza esse tipo de poemas como breves, de sentido completo, assemelhados aos epitáfios, podendo ser epigramáticos ou satíricos e, sendo de cunho filosófico, tidos como máximas. Ainda que assim o possam ser, têm ojeriza a certo uso moralista e facilitário encontrável nas frases de efeito, ou máximas, por muitos praticadas correntemente e, como eunucos, nada ambicionam, escaldados pela sabedoria benjaminiana de que a experiência humana contemporânea não encontra mais conexão com a narração, a fábula, o provérbio, esvaziados de seu caráter de sabedoria prática. Em última instância, engolidos pelo silêncio, seriam inscrições lapidares no imenso cemitério contemporâneo de ruínas culturais e históricas […]
Inverno 2020
ISBN: 978-65-86526-36-3
112 pág.
R$ 44,70 R$ 31,29
Ademir Demarchi
Ademir Demarchi é doutor em literatura brasileira, edita a revista de poesia BABEL e publicou os livros de poemas Os mortos na sala de jantar (2007); Pirão de Sereia (2012); O amor é lindo (2016); Gambiarra – Uma pinguela para o futuro do pretérito (2018); Louvores Gozosos; e In Fuck We Trust (2020), e os livros de crítica Espantalhos (2017) e Contrapoéticas (2020).