Podia ter ficado calado, contado e mostrado só pra mãe ou revelar depois, em outro momento, mas chegou da manifestação e deu de cara com o pai lanchando, todo tranquilo com a mãe, e foi logo dizendo:
– Pai, estraguei sua bandeira.
– Ah, não, Gustavo, você não fez isso.
– Fiz, pai. Mas foi sem querer. Eu colei uma frase com aquela cola forte, pensei que não fosse “ tão forte”!
– É, depois sai. Com jeitinho pra não rasgar o tecido, calma, senta aí filho, conta: como foi a manifestação?
– A minha bandeira oficial, eu nem acredito. Não tenta acobertar o erro dele não, Júlia, ele agiu errado!
– Ele só mudou a frase. Depois, se não sair, a gente compra outra bandeira. Pra tudo se dá um jeito.
– Vocês acham tudo fácil, fácil, dinheiro, então!
– Dá pra brigar depois e ouvir o que o Gustavo tem pra contar sobre a primeira manifestação cidadã, política, de jovem engajado dele, por favor?
Luis se rendeu.
– Tá bom, filho, conta, como é que foi lá? Muita gente?
– Nossa! Muita gente, pai. Organização boa, as reivindicações bem elaboradas, pautas escritas e entregues para o representante do prefeito, pai, ele mandou representante, nem teve coragem de dialogar com a gente pai, é, mas, ele vai ter que levar a sério os nossos pedidos pai, da UFU, da UEMG, da Saúde, o povo tá muito insatisfeito, o atendimento, e os pagamentos dos contratados que não são pagos tem três meses, muita coisa errada, precisando melhorar, pai.
Luis e Júlia se olharam com alegria e orgulho, uma mistura de sentimentos.
Então aquele bebezinho de ontem, já estava virando gente, gente que luta que busca seus direitos e que não abandona o barco.
“Meu garotão!”, pensou Luis.
Júlia embargou uma voz silenciosa:
“O filho que ensinei a ler, agora, aprendendo lições de Democracia.”
Mais tarde, Gustavo percebeu a porta aberta no quarto dos pais:
– Mãe, eu achei na internet um jeito de tirar cola de tecido, consegui tirar a frase da bandeira, mas rasgou um pouquinho o tecido.
Sorrindo por dentro a mãe disse:
– Ah, tá bom, nem vai dar para notar, filho. Esquece a bandeira, o que você fez hoje, foi muito mais brasileiro.
(Baseada em fatos reais e dedicada à turma que participou da manifestação pacífica em Ituiutaba, em 2014.)
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Sandra Modesto é cronista, poeta e prepara seu primeiro livro de contos. Era sábado, Tudo em mim é prosa e rima e Acenda a luz são suas obras publicadas.
Respostas de 5
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A crônica é atemporal.
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Bela crônica. De uma leveza e sutileza, porém carregada de decepção. Pois veio um golpe. Veio uma prisão manipulada. Veio quatro anos de ferro. Sementes plantadas como essa por Júlia e Luiz é o que mais importa. Hoje teve frutos. Hoje teve um país sorrindo novamente. Hoje teve democracia!
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