Pé de vento (Fabio Santiago)

Berrou-me um pé de vento esquizofrênico na esquina da Rua Kellers com Alameda Dr. Muricy 1137 – Pude ouvir de orelhada!

Abandono o dia ao ser admitido pelo ruído, adeus silêncio.

Mediante pagamento, uma meia-entrada era esperada na Rua Riachuelo 410, no Cine Passeio.

Liguei, com amor, para Angela. Estava em casa, disse que não viria: – Estou deitada, não vai dar tempo.

Sozinho, não fui.

Irmãos coen

Ainda era moço quando, solitariamente, no Cine Ritz, assisti Barton Fink. Fiquei tomado de tela, pulsando película, não pude evitar, a noite quis ver o mar que não existia, era John Turturro de terno na areia, observando a moça de biquíni, como no quadro fixado no papel de parede, a fitar o horizonte. Os irmãos Coen criaram delírios.

Enquanto sugiro casulo, fora dali, meio quilo de carne moída é comprada, uma garoa desceu às pressas e no andar de cima alguém resolveu não sair, cair, resistir, existir.

Cochilo, meus dedos esquecidos pressionam teclas, adiantam-me letras repetidas, aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaalllllllllllllllllllll…fecho os olhos e quase apago de vez, cabeça pendurada a estival.

Enquanto escrevo, repousa na página em branco um outro lugar, amplia-se.

Primeiro movimento, contorno a manhã. Redemoinho.

Na Rua Cândido Lopes o sol mortalha suores. Quebro a esquina, avisto o petit pavê.

Quando não mais, olhei escombros, retornei ao silêncio, um pouco antes, liguei novamente para ela.

– Você precisa ouvir isto!

– O quê?

– O acordeom, a valsa argentina, decorando o calçadão como nunca houve, as pequenas copas bailam, as pessoas parecem florir.

– Chegarei amanhã.

– Talvez esgote a saliva.

O telefone desliga.

Tempo longo

Atravesso a Praça Osório sem ouvir, sem quebranto, tenho o tempo longo e as pernas curtas.

Nesta quimera, risco o compasso e aqueço as mãos, esfrego, fricciono, esquento o tecido fino de uma pele que não carrega calos.

Segundo movimento, acolho cordas. Rajadas.

Na Rua Conselheiro Dantas, não sei o que faço por lá, subo a Rua 24 de maio, deveria retornar ao centro, confundo-me.

O teclado recebe meus dedos, convida-me para um passeio, somos íntimos agora, enquanto pulsamos veredas.

Quando chegar a mudez de sua batida, acordarei tensionado.

Procuro por ela, lá fora ainda sonhamos com o retorno dele, há urgência nesta espera. 13 chamadas, ele virá! 13 mil dias chamamos por ti.

Angela é suave, vestida em flores e céu, encontra-me na Rua Barão do Cerro Azul, coladinha na Praça Tiradentes, na face direita da Catedral, num dia ensolarado e com sabor de mangaba.

Ela selou os lábios nos meus, minha camisa, chama brilhosa, guardou seu abraço.

Ela selou os lábios nos meus, as ruas abriram o mar, a estrela luziu, intensa e libertadora.

Na Rua das flores, frenético dia, vestiu o silêncio.

Fabio Santiago é poeta e prosador. Publicou os livros Intramurus, Versos magros (compre aqui), Mar de sombras e Cantos temporais. Instagram: @fsantiago006

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