Esta manhã acordo e/ não a encontro. /Britada em bilhões de lascas…
(Drummond, “Montanha pulverizada”)
O mineiro João Pimenta da Silva cavou um poço de quarenta metros na cozinha de sua casa em Ipatinga movido por um sonho. Um prédio de treze andares de cabeça pra baixo, um túnel de metrô, pense. Septuagenário, Pimenta contou com ajudantes, mas foi ele quem mais tirou terra do buracão. Em janeiro deste ano, Elpenor moderno, escorregou e encontrou a morte, não o ouro que o embriagou enquanto dormia.
O governo norueguês empenha-se em obter a licença de prospectar minérios no fundo do mar. Acaba de levar no bico o Parlamento do país, que o autorizou a planejar essa exploração no fundo do mar. O país é medalha de ouro em conservação ambiental, doa milhões para a preservação das florestas planeta afora, mas esconde nas profundezas um retrospecto invejável de destruição do meio ambiente — está prestes a acabar com o bacalhau nos mares gelados do seu litoral, preda baleias e é um dos maiores exportadores de combustíveis fósseis do mundo.
Os Yanomami estão cercados de garimpeiros na floresta amazônica. Os militares brasileiros empenham-se em preservar o ofício desses adoradores do ouro modernos (“comedores de terra”, para os indígenas) — não só de ouro, mas de um vasto cardápio mineral: cobalto, níquel, lítio e nióbio, cuja busca levará a última cartada (ou cratera) humana na Terra. Os indígenas morrem de fome, de malária, envenenam-se com o mercúrio despejado nos rios, veem caça e plantas desaparecerem. O governo brasileiro usa estilingues para conter essa tropa violenta e eclética — multinacionais, mineradoras, crime organizado, militares e pastores.
Ipatinga fica na região do Vale do Rio Doce, onde milhões de metros cúbicos de rejeitos minerais submergiram parte de Brumadinho e emporcalharam todo o vale mineiro. Aço, ferro, manganês retalharam a paisagem de Minas Gerais e contaminaram a mente do João Pimenta. Feito um Lúcifer alienado, escavou o fosso em que se acabou. Uma cratera do tamanho do Reino Unido no fundo do mar gelado norueguês é o plano dos nórdicos para abastecerem carros elétricos e os nossos celulares. Nada mais norueguês, jogando pra baixo do oceano suas traquinices antiecológicas. Varíola barrenta, centenas de buracos adoecem a mata em volta dos Yanomami. Um bilhão de reais foi devorado pelos “comedores de terra” em 2015, segundo a Polícia Federal. E eles continuam lá, em 2024, como conta Rubem Valente, jornalista da Agência Pública, em uma coluna do mês de janeiro.
Antes os buracos na estrada, as cáries, os caminhos de cupim na estante, o petit-pavê a menos no calçadão, pedras no sapato, antes furar o pneu, arrancar um dente, perder um livro, quebrar o nariz, antes tudo isso que essa buraqueira prometida para 2024. Será difícil sair desse buraco, tapá-los mais ainda. Estamos lascados?
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Eugênio Vinci de Moraes é bacharel em Língua e Literatura Portuguesa e Italiana (2001) e doutor em Letras (Literatura Brasileira) pela Universidade de São Paulo (2007). É professor de Língua Portuguesa do Centro Universitário Uninter (UNINTER-PR) desde 2008, editor da Revista Uninter de Comunicação desde 2013.
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