Rua invisível

Estou a caminhar em uma rua invisível da cidade.

Cheguei cedo, o dia parece florir.

Há um miúdo poial de pedra na entrada da casa. Saiba, ele viu demais!

Do discreto charme das senhoras, a exuberância das moças.

Do desleixo dos rapazes, ao cansaço arrumadinho dos senhores.

Invisível para a cidade, também estou.

Nesta rua, deleito-me.

Visito o porvir.

Vejo pessoas sonhando com miragens e borboletas semióticas.

Não há excluídos nesta charmosa faixa, todos tem direitos iguais.

Há moradia e alimento para quem por lá viver.

Me amparam as frases hippies, “Poder das flores”, “Faça amor não faça guerra”, pintadas na entrada de um casario.

Permaneço ali, na secreta rua.

Aqui não me sinto estrangeiro.

Dou conta que as horas são lentas e os desejos oníricos.

O clima é quente e com leve brisa.

A rua oculta é um intervalo, uma lacuna, um hiato.

Como cheguei aqui? Você deve estar se perguntando.

Tomou um porre, um doce, está em coma, sonhando, alucinando?

Até pareço dormir, eu sei.

Vou dar uma pista, aquele pequeno declive, onde encontra-se um leão desenhado no petit-pavé, é a senha.

Enquanto os casarios amarelos pintam o início da quadra, rostos gentis e afetuosos me saúdam.

– Bom dia!

Sinto vontade de conversar com alguém.

Avisto um casal dançante, equilibram-se em um cordão dourado.

Bailam, escrevem poesia no ar.

– Que horas será a folia, queridos irmãos? Pergunto com brilho nos olhos.

– Ela já está acontecendo, caro irmão! Diz o rapaz.

A moça que rodopia em suas mãos, sorrindo berra – Aproveita o seu tempo, ele é a vida.

No espaço-tempo afunilo sentimentos bons, me afasto, pareço flutuar.

Nesta dança, nesta calçada, nesta folia, estou em paz!

Há um eco de alguém que conheço aqui.

Sonhadores e visionários, essa gente caminha por estas paragens.

A rua invisível tem serpentina e confete, é carnaval, também tem outros ritmos, outras pulsações.

O ponto anuncia a sua chegada prematura.

No próximo parágrafo deu de aparecer um vendaval no papel e precisei sair.

Dobrei a folha e voltei para o calçadão.

O clima mudou, o vento gelou, não dava mais para retornar.

Era noite de inverno, melhor esperar o verão.

Nesta crônica bordejo, quero um trago e folia.

Quando dá pé, revisito a rua invisível, conheço a senha.

Waly Sailormoon, berra! – A vida é sonho!

Já não estou mais sozinho e nem dormindo acordado.

Fabio Santiago nasceu em Maceió (AL), em 1973, e está radicado em Curitiba (PR). Publicou os livros A marca do vampiro (compre aqui, 2023), Cantos temporais e Mar de sombras, ambos em 2022, Versos magros (2021) e Intramuros (2020). É formado em Comunicação Social e criador do blog Acre infuso, ativo desde 2004. Redes sociais: @fsantiago006 (Instagram) e Fabio Santiagoc (Facebook)

Respostas de 2

  1. Perdido no tempo perdido em busca da rua invisível me vi cercado de dúvidas e estrelas cadentes desenhando o céu da minha solidão enquanto olhos de linces escoltavam meus passos inseguros sem saber pra onde ir ou de onde vinha claro não tinha a menor ideia daquele lugar o possível começo de meu destino invisível Até que encontrei Fabio Santiago

    1. Diante do comentário do poeta e compositor que embalou a minha juventude e que ainda faz a minha cabeça, me basta celebrar esta amizade.
      Um brinde mestre, Berna.
      Você não imagina a importância afetiva neste encontro poético. Abração.

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