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Enquanto a cidade esvai-se em chuvas e tempestades, enquanto o céu da cidade despenca em aguaceiras, enquanto o coração acelera, sigo pela Rua Ubaldino do Amaral, no Alto da Glória, ao encontro da casa do escritor Dalton Trevisan. O castelo parece abandonado, esconde histórias que ficaram somente guardadas ali. O vampiro mora em um apartamento, é o que todos dizem.

Imagino o que encontraria nos cômodos, caso pudesse entrar, lustres ou candelabros? Tapetes vermelhos? Mesas longas e taças com um líquido vermelho, vinho ou seria sangue? Vampiras seminuas, banquetes, sombras dançarinas. Quem sabe, ao invés de encontrá-lo em uma cama ou caixão, avistaria o morcego de cabeça para baixo, adormecido.

Nelsinho estaria acompanhado de uma moça no outro quarto, saciando os seus desejos da carne.

Aqui de fora, penso ter visto um morcego, dos grandes, ele sobrevoa a casa.

Engano meu, minha imaginação quer me convencer, enlouquecer.

Raios riscam o céu, melhor ir embora.

Enquanto caminho pela cidade, as polaquinhas parecem esconder-se em suas casas, cercadas de alhos e crucifixos, penso ouvi-las: “Ora Bolas, não me amole”, penso no síndico, Tim Maia, botando pra quebrar.

Enquanto a cidade escurece, consumida pelas nuvens pesadas, cá estou eu nesta escuridão.

Repare, há um vampiro de capa e guarda-chuva, eu vi, palavra de honra, capa e guarda-chuva! Caminha pelo calçadão encharcado, não posso estar enganado, essa palidez, sol encoberto por nuvens chumbo, só pode ser ele.

Faz ventania dentro da minha cabeça.

Enquanto ainda é possível, ao convés das sentimentalidades, para ser mais exato, embarco em um movimentado passadismo.

Faz tempestade dentro de mim.

Aquele rapaz com cara de pintor não é um pintor, aquela moça com jeito de economista escreve bulas de remédio, aquele comprimido com cara de analgésico é, na verdade, uma passagem para a angústia.

A solidão destes dias me faz querer ficar em casa, o teclado abre fendas, as teclas engolem falanges: distal, média e proximal, a tela pálida, brilhosa abismal, corrompe retinas, palavras brotam em propulsão, há nestas lufadas pensamentos constantes e cortantes.

Rajadas de letras formam o corpo de um texto que parece respirar, a vida na tela é a alma do que virá a ter um corpo físico no papel, voz na fala, horizonte nos olhos, em uma vida feita de pensamentos.

Difuso, desdobro-me em quadriláteros.

Enquanto o vampiro voa no pensamento em busca de uma carótida, Nelsinho perde-se no desejo.

Chove demais em Curitiba, será que os vampiros saem na chuva?

O copo transborda água e os remédios parecem fazer efeito, a febre baixou, o sol não saiu, a vida ainda vale a pena, apesar de tudo.

As guerras calam vidas.

Quem precisa de armas?

Eles não querem a paz.

Existe alguém que está contando com você/ Pra lutar em seu lugar já que nessa guerra/
Não é ele quem vai morrer… Ele estará com outros velhos/Inventando novos jogos de guerra… O senhor da guerra/ Não gosta de crianças
”, canta Renato Russo com a sua Legião Urbana.

Enquanto perco-me em lembranças sonoras, enquanto trafego hipnotizado, enquanto a tempestade parece inundar, o vampiro esconde-se da cidade, pareço ouvi-lo dizer baixinho, com olhos vermelhos, “vampiros não saem na chuva”.

Se não saem, o que faz aquele ali, de capa e presas pra fora, mordendo o pescocinho da polaquinha, deixando a marca do vampiro, enquanto a chuva mistura-se com o sangue?

“Estou com sede, deixa um pouquinho para mim!”, disse Nelsinho.

Enquanto isso, em frente à tela, eu procurava a minha água benta.

Fabio Santiago é poeta e prosador. Publicou os livros IntramurusVersos magros (compre aqui), Mar de sombras e Cantos temporais. Seu trabalho mais recente, A marca do vampiro, está em pré-venda.. Instagram: @fsantiago006

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