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por Eugênio Vinci de Moraes

Uns homens vivem soltos perto daqui, num bar-mercearia do Pilarzinho. Isso não é bom. Rechonchudos e bravateiros, eles trombeteiam sua desinteligência cevada por algum coach mascu. A única mulher em campo está trabalhando, simpática e seriamente, atrás do balcão da mercearia. À distância, observa aquela equipagem pilosa e marombada espancando sem dó a ciência, a política, a poesia e as mulheres.

O Ulisses os acompanha nessa barca furada, que flutua sem senso e superego. Ele é o timoneiro do bar que atraca de segunda a sábado na Francisco Caron, via pendurada entre a Nilo Peçanha e a Ministro Brochardo. Não, nada que desabone esse nosso herói de aldeia. Cordato, não nos trata mal no varejo, mas infla e enfuna o ego furado desses marujos no atacado. Não há dia em que você aporte ali e a confederação de barbados babões não está a postos, sem máscaras, falando bem do mal, atirando nos direitos humanos, cuspindo perdigotos uns nos outros, sem nenhum distanciamento social.

O estabelecimento é uma casa amarela, simpática, com interior dividido ao meio. À direita, bar; à esquerda, mercearia. No bom avanço da porta para a calçada ficam fundeadas umas três ou quatro mesas tronchas de plástico desbotado. A vista dá para uma ilha de mata secundária que resiste à pilhagem imobiliária no Pilarzinho. À tarde, uma lenta maré de tons verdes arrasta o olhar pra longe da terra firme. Pedriscos hospedam gentis os nossos calcanhares, âncoras que ativamos quando é necessário regressar.

Mas a brisa soprada no parágrafo acima é brevíssima, e mal desce um gelado gole de cerveja, estaciona um carro sobre os simpáticos pedriscos. E mais outro e outro e outro até ocupar todo o recuo. Súbito, nos vemos dentro de um galeão aglomerado de bucaneiros desmusculados, gesticulando como bonecos de posto de gasolina, desargumentando a respeito de tudo e todos, abatendo no ar o canto de uma sabiá-laranjeira. Há sempre um corsário de cavanhaque, mais apanhado, tipo turista de boteco, falando mais alto, achando-se superior aos velhos botequeiros. Ainda que despertem alguma empatia, estes flibusteiros surrados pelo tempo embarcam no jet-ski fumacento do neobotequeiro. E dá-lhe palavrório aparvalhado. E cruento.

Nesta hora, levanto velas e singro pro balcão da mercearia cuja guardiã, a Vilma, guarda o mapa de uma volta segura à terra sem males anabolizados. Sorriso fácil, apesar da máscara, ela dá a bússola com sua conversa cheia de sins. Ao seu lado, os saques  cessam, não há butim a ser disputado. Conta-nos da sua vida, um oceano de tormentas e escolhos que ela soube suportar e contornar. Sobre os homens, ela pisca como que dizendo: não liga pra eles, olha e passa.

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