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por Eugênio Vinci de Moraes

Nuvens confiscam o sol corpulentas. Uma membrana cinza amarra tudo sem mostrar os nós. O frio acorrenta-me os ossos às coisas que se engessam lá fora. Não há nada pra ver, nada sobre o que falar, ninguém passa por essa tarde, que deu um perdido por aqui.

Encosto o olhar na construção em frente de casa. Blocos de granito largados na calçada simulam a ruína de um edifício que nunca existiu. O saibro e os vergalhões compõem um leito estéril em que nada nidifica. Tábuas, pregos e tijolos quebrados compartilham o espaço com carrapatos e carrapichos sem se incomodarem com a baba de chumbo que empata a paisagem.

Iço-me ao encontro da Frederico Guilherme Virmond com a Rolf Faria Gugisch. Restos de armário, cadeiras, barras de ferro, pernas de cadeira, amparados por tecidos apodrecidos e urtigas, aglomeram-se nas franjas de um terreno baldio. Corroem a paisagem, formando um debruado bexiguento. Desenrola-se como uma fita biliosa pelo quarteirão, arrastando atrás de si a ira silenciosa dos seres marcados para morrer. Vida carunchosa que se escangalha na calçada, vida que nunca se forma, logo despejada de um lar arranjado à revelia de tudo. À noite, a coleta de lixo municipal ignora essa história.

Mais adiante seis ciprestes interrompem a marcha do lixo e dos carrapichos. O morador esnobe que os aterrou ali, na margem pública, imaginou outra coisa, mas aquele sexteto pretensioso espicha a melancolia ao redor. É o despejo do mau gosto enraizado na vontade de ostentar símbolos de sucesso vazios. Uma aparência que recobre a falta de subjetividade, que vai se alimentando da novidade da vez, num ciclo pastoso. Outro vizinho passou a roçadeira sem dó, espalhou brita na área e atochou duas saveiros comerciais na passagem pública. A disfuncionalidade nacional afunda as pegadas neste pacato quarteirão de Curitiba.

Volto pra casa a latidos de cachorros. Alertam-me que piso no território deles. Pensei em abrir os cadeados dos portões, soltá-los, deixá-los saírem e mijarem à vontade. Tomarem conta da rua, do quarteirão, do Pilarzinho  e da cidade. Que nos botem pra correr. Mas aí a tarde estéril me engole e me regurgita pra baixo dos cobertores. Refugio-me ali à espreita de um dia que preste.  

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