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A janela dá a face para a lateral da casa, onde o muro divide espaço com árvores esvoaçantes, a sutil movimentação parece acordar o dia.

– João!

Ainda na cama, pareço ouvir uma voz, reconheço ser de minha esposa Angela.

Há um canto que surge como um véu encobrindo a sonolência.

A música se esvai, acordo, caminho pelo corredor e pareço ouvi-la ao telefone

– O João já foi.

Quem seria o tal João?

Este ciúme perfumado tinha um nome, colado nos lábios da dama, que resolvera acordar todos os dias mais cedo e ancorar em espreita no jardim.

– Você ouviu o João?

Era isso que ela falou enquanto eu engavetava os cds de jazz.

– É um cantor então?

Pensei em João Gilberto, João do Valle, João Bosco… já foram presença em nossas radiolas.

O tal seresteiro das nascentes manhãs parece criar asas.

Na leveza de seus passos, passeia pela casa, outra manhã, outro dia, abro os olhos ainda na cama e sussurro – João?

Posso ouvi-la, também vou de encontro a movimentação no quintal e deparo-me com um sorriso no rosto da esposa.

– Baby, o João anda mexendo com a sua cabeça. Pensei em falar, mas que João é este? Depois de tantos anos juntos, este nome agora ecoa pela casa.

Fiz-me de desentendido, buscando de forma sensata chegar ao galanteador.

– João vá cantar em outro lugar! Pensei. Outra vez nada disse.

Um pão caiu do céu, seguido de um grito assustador de pássaro. Nunca havia visto isso. Não sei se este acontecimento prenunciou o impossível, mas confesso, aconteceu, eu vi. Bicou o pedaço, imenso para ele, partiu. Aguardei, tentando compreender, depois coloquei o pãozinho na parte superior do muro, quem sabe o pequeno voltaria para busca-lo.

A cantoria andava dando o que falar e Julie Andrews sorria com o pássaro nos dedos em Mary Poppins.

Angela me chama – Olha só quem está por aqui de novo!

– Seria o João?

– Ele veio buscar na grama o barro para fazer a sua casinha.

– Quem? João, o cantor?

– Não!

– João não cantou?

– João de Barro!           

– Ah!

Então era ele, o tal João!

Demos de levantar cedo, da janela avistamos o nosso seresteiro que se dividia entre o barro e a casa.

Esses passinhos pequenos iam e voltavam num bailado sem igual, sua casa no poste, fazia vizinhança com a nossa.

De tardinha, no muro, ficava a bisbilhotar, nosso querido vizinho, João de Barro.

“Sonho e escrevo em letras grandes de novo/ Pelos muros do país/ João, o tempo andou mexendo com a gente, sim”

 

2 respostas

  1. Que espetáculo
    Grande Fábio
    Parabéns por nós incentivar a cada dia gostar de ler
    Precisamos de mais leitores
    Livro é cultura
    Livro nós faz viajar por onde nossa imaginação possa ir

  2. Fábio Santiago, seu texto é surpreendente , primoroso. Mas não é surpresa para mim seu falar a realidade com clareza e lirismo, grande escritor e poeta. Parabéns! Sou sua fã, incondicionalmente. Adorei a presença de Ângela no conto., todo um espetáculo. Parabéns e muito obrigada, meu amigo. Um beijo

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